Julius Evola
Tradução e adaptação do Italiano : Marcelo D. Prati
O
simbolismo da águia possui um caráter “tradicional” em sentido superior. Ditado
por precisas razões analógicas, está entre aqueles que testemunhamos uma
“invariavel”, ou seja, um elemento constante e imutável, dentro dos mitos e dos
símbolos de todas as civilizações do tipo tradicional. As particulares
formulações que recebe esse tema constante são, contudo, naturalmente diversas
dependendo das raças analisadas. Aqui dizemos imediatamente que o simbolismo da
águia na tradição dos povos ários teve um caráter distintamente “olímpico” e
heroico, algo que nos propomos a esclarecer no presente escrito com um grupo de
referimentos e de aproximações.
Sobre
o caráter “olímpico” do simbolismo da águia, esse resulta já diretamente do fato
que, tal animal, foi sacro ao Deus olímpico por excelência, a Zeus, o qual por
sua vez, não é nada além da singular figuração ário-helênica (e depois, como
Júpiter, ário-romana) da divindade da luz e da realeza venerada por todos os
ramos da família ária. Em volta de Zeus foi conectado outro símbolo, aquele do
relâmpago, algo que é bem lembrado, porque veremos que por tal caminho, isso
acaba por completar, não raro, o mesmo simbolismo da águia. Recordemos também
de um outro ponto: segundo a antiga visão ária de mundo, o elemento “olímpico”
se define sobretudo em sua antítese, comparando ao titânico, telúrico e também
prometeico. Ora, é precisamente com o relâmpago que Zeus abate, no mito, os
titãs. Nos Ários, que viviam cada batalha como se fosse uma espécie de reflexo
da luta metafísica entre as forças olímpicas e as forças titânicas, esses
mesmos considerando-se como uma das primeiras milícias, veremos, além disso,
águias e relâmpagos como símbolos e insígnias que encerram desse modo, um significado
profundo e geralmente negligenciado.
De
acordo com a antiga visão ária da vida, a imortalidade é um privilégio: não
significa a simples sobrevivência à morte, mas a participação heroica e real ao
estado de consciência que define a divindade olímpica. Fixemos algumas
correspondências. O ponto de vista agora assinalado sobre a imortalidade é
também o mesmíssimo da antiga tradição egípcia. Apenas a uma parcela do ser
humano é destinada a uma existência eterna celeste no estado de glória – o
assim chamado Ba. Ora, essa parte,
nos hieróglifos egípcios é representada como uma águia ou um falcão (dadas as condições do ambiente, o gavião é o
substituto da água, o apoio mais próximo oferecido pelo mundo físico para
exprimir a mesma ideia). É sob a forma do falcão que, nos rituais contidos no Livro dos Mortos[1]
a alma transfigurada do morto inspira medo aos próprios deuses e pode
pronunciar tais palavras soberbas: “Eu me ergui à semelhança de um falcão ou de
uma águia divina e Hórus me fez partilhar da semelhança de seu espírito, para
tomar posse daquilo que no outro mundo corresponde a Osíris”. Tal herança
supraterrena corresponde exatamente ao elemento olímpico. De fato, no mito
egípcio, Osíris é uma figura divina que corresponde ao estado primordial
“solar” do espírito, o qual, depois de ter repentinamente se alterado e
corrompido (morte e dilaceração de Osíris), é restaurado por Hórus. O morto
obtém a divinização imortalizadora, partilhando da força restauradora de Hórus,
que o reconduz a Osíris, que provoca o “ressurgir” ou o “recompor-se” de
Osíris.
Nesse
ponto é fácil constatar correspondências múltiplas de tradições e símbolos. No
mito helênico, se compreende, da mesma maneira, que por “águias”, seres como
Ganímedes, foram abduzidos até o trono de Zeus. Por meio de águias, na antiga
tradição persa, o rei Kei-Klaus tentou prometeicamente alçar-se ao céu. Na
tradição hindu-ária, é a águia que carrega a Indra a bebida mística que o
constituirá senhor dos deuses. A tradição clássica aqui alcança uma sugestão
particular: por essa, todavia inexatamente, à águia era creditado o valor de
ser o único animal que podia olhar para o sol sem abaixar os olhos[2].
Isso
então esclarece a parte que cabe à águia em algumas redações da lenda
prometeica. Prometeu se mostra não como alguém que seja verdadeiramente
qualificado para propriamente criar o fogo olímpico, mas como alguém que, dotado
de natureza “titânica”, deseja roubá-lo e fazer dele coisa não mais “divina”,
mas humana. Como pena, nos relatos da lenda da qual falamos, Prometeu
acorrentado tem seu fígado continuamente devorado por uma águia. A água, animal
sacro do Deus olímpico, associado ao exato relâmpago que abate os titãs, nos
aparece aqui como uma figuração equivalente ao mesmo fogo que Prometeu desejava
tomar posse. Se trata então de um tipo de castigo imanente. Prometeu não possui
a natureza da águia, que pode tomar impunemente e “olimpicamente” a luz
suprema. A mesma força que deseja tomar para si, torna-se o princípio de seu
tormento e de seu castigo. E aqui se aqui se abriria uma via para compreender a
tragédia interior de vários expoentes modernos da doutrina de um super-homem
titânico, possessos e vitimados pela sua própria ideia, começando por Nietzsche
e Dostoievski, com particular atenção, também, aos heróis característicos dos
romances deste último.
Voltando
ao mundo do mito ário, encontramos na antiga tradição hindu uma variante
daquele mito prometeico. Agni, sob a forma de uma água ou falcão, arranca um
ramo da árvore cósmica, repetindo o gesto que no mito semita Adão realiza para
“tornar-se semelhante aos deuses”. Agni, que por sua vez é uma personificação
do fogo, é golpeado. De suas plumas caídas ao solo surge, contudo, a semente de
uma planta que produzirá o “soma
terrestre”. Mas o soma é um
equivalente da ambrosia, é a substância simbólica que diviniza, que propicia a
participação do estado “olímpico”. A estrutura do mito ário, embora de forma
mais involuta, repete aquela que já analisamos no mito egípcio (ofuscamento de
Osíris, ressurreição por intermédio de Hórus). Se pode falar de uma tentativa
prometeica falha num primeiro momento, depois “retificada” e feita semente de
uma correta realização da mesma finalidade.
Na
tradição irano-ária a águia figura frequentemente como uma encarnação da
“glória” do hvarenó que, como em
outra ocasião pudemos lembrar, para tal raça isso não vale como uma abstração,
mas sim como uma força mística e um poder real do alto, que desce sobre os
soberanos e sobre os líderes, os faz partilhar da natureza imortal e os concede
a vitória. Tal “glória” ária, personificada pela águia, não tolera lesões da
ética viril, característica da tradição mazdeísta. Assim o mito se refere que
sob a forma da águia, essa se separa do rei Yima quando esse se contaminou com
uma mentira.
Baseado
em tais correspondências de significado e símbolos, a participação que na Roma
antiga tem a água resulta em uma clareza singular. O rito da apoteose imperial
romana é um testemunho primordial e uma confirmação precisa da aderência da
romanidade ao ideal olímpico. Em tal rito, um exato voo de uma águia da pira
funerária simbolizada de fato o traspasso ao estado de “deus” da alma do
imperador morto. Lembramos os particulares de tal rito, que foi repetido a
exemplo do originário celebrado na morte de Augusto.
O
corpo do imperador morto era fechado num caixão coberto de púrpura, carregado
em um leito de ouro e marfim. Vinha deposto em uma pira feita no Campo de Marte
e cercada de sacerdotes. Se desenrolava então o chamado decursio, do qual logo falaremos. Posto fogo na pira, uma água era
solta dentre as chamas e se pensava que naquele instante a alma do morte
simbolicamente se alçasse rumo às regiões celestes, para ser acolhida entre os
Olímpicos.
O decursio, agora citado, era o curso das
tropas, dos cavaleiros e dos líderes em torno da pira do imperador, sobre a
qual esses depositavam recompensas recebidas por seu valor. Também em tal rito
se encerra um significado profundo. Era a crença ária e romana, que nos líderes
estivesse a verdadeira força decisiva para a vitória; ou seja, não tanto nos
líderes como pessoas, quanto no elemento sobrenatural “olímpico” a esses
atribuído. Por isso, a cerimônia romana do triunfo, o duque vencedor assumia o
símbolo de deus olímpico, de Júpiter, e no templo de tal deus ia entregar os
louros da vitória, bem distinto de sua parte simplesmente humana. No decursio se demonstrava uma “remissão”
análoga: os soldados e líderes restituíam as recompensas que lembravam sua
coragem e sua força vencedora ao imperador, como alguém que, em sua
potencialidade “olímpica”, agora ao ponto de liberar-se e de transumanar-se, se
encontrava no estado da verdadeira origem.
Isso
nos conduz a examinar o segundo testemunho do espírito “olímpico” da
romanidade, semelhantemente marcado pelo simbolismo ário da águia. Era tradição
clássica que aquele sobre o qual pairasse a águia, fosse predestinado por Zeus
a destinos superiores ou a realeza, desejando com isso indicar o pressuposto
“olímpico” da legitimidade de um ou de outros. Mas era semelhantemente tradição
clássica e depois especificamente romana, que a águia fosse signo de vitória,
com o qual, semelhantemente, ressaltam os pressupostos “olímpicos” da mesma
concepção da batalha e da vitória, ou seja, a ideia de que através da vitória
do povo ário e romano, fossem as precisas forças da divindade olímpica, do deus
da luz, a vencer; a vitória dos homens, reflexo daquela mesma de Zeus sobre
forças antiolímpicas e “bárbaras”, era preanunciada pela aparição do exato
animal de Zeus, a águia.
Essa
é a base para compreender adequadamente, em relação a significados profundos
vindos das origens tradicionais e sacrais, e não de alegorias vazias, a parte
que a águia possuía entre as insígnias dos exércitos romanos, entre signa e vexilla, desde suas origens. Desde o período republicano, a águia
foi em Roma a insígnia das legiões – se dizia: “uma águia por legião e nenhuma
legião sem águia”. Especificamente, a insígnia era constituída da águia com as
asas desdobradas e, além disso, com um raio
entre as garras. Vem assim rigorosamente confirmado o simbolismo “olímpico” já
mencionado: junto do animal sacro de Giove está exatamente o signo de sua
força, aquele relâmpago com o qual ele combate e extermina os titãs.
Detalhe
digno de destaque, as insígnias das tropas bárbaras não possuíam águias: nos signa auxiliarium, encontramos, em vez
de animais sacros ou “totêmicos”, se encontravam outras influências, como o
touro ou o aríete. Apenas num período posterior tais signos se infiltraram na
própria romanidade associando-se à águia e dando lugar, frequentemente, a um
simbolismo duplo: o segundo animal junto da águia nas insígnias de uma dada
legião estava agora em relação com uma das características dessa, enquanto a
águia representaria o símbolo geral de Roma. No período imperial, por outro
lado, a águia, de insígnia militar passa a ser frequentemente um símbolo para o
próprio Imperium.
Sabemos
a parte que, na história subsequente, o símbolo da águia teve nos povos
nórdicos e germânicos. Tal símbolo parece quase ter abandonado o solo romano e
transmigrado para entre as raças germânicas, a tal ponto de muitos pensarem se
tratar de um símbolo essencialmente nórdico. O que não é exato. Torna-se
esquecida a origem da águia, que figura ainda hoje como emblema da Alemanha, da
mesma maneira que essa foi também emblema do Império austríaco, o último
herdeiro do Sacro Romano Império. Tal águia germânica é simplesmente a águia
romana. Foi Carlos Magno, nos 800, que ao ponto de declarar a renovatio romani imperii retomou o
símbolo fundamental, a águia e a fez o emblema de seu Estado. Historicamente, é
portanto, nenhum outro além da águia romana aquela que se conservou até hoje
como símbolo do Reich. Isso não
impede, contudo que, partindo de uma perspectiva mais profunda e
supra-histórica, sobre isso se possa pensar algo além de uma simples
importação. A águia, de fato, na mitologia nórdica figurava já como um dos
animais sacros a Odin-Wotan e como tal animal foi acrescentado nas insígnias
romanas das legiões, assim ela também aparece nos cemitérios dos antigos
líderes germânicos. Se pode, portanto, conceber que enquanto Carlos Magno, ao
assumir a águia como símbolo do império ressurreto tinha essencialmente em
vista a Roma antiga, ele simultaneamente, sem render-se conta, retomava um
antigo símbolo da antiga tradição ária-nórdica, conservada apenas de forma
fragmentar e crepuscular entre os vários cepos do período das invasões. De
qualquer modo, na história subsequente, a águia termina por possuir um valor
simplesmente heráldico e seu significado simbólico e moral mais profundo e
originário foi esquecido. Como muitos outros, torna-se um símbolo que
sobreviveu por si próprio e que assim foi ainda suscetível a servir de base a
ideias mais diversas. Seria portanto absurdo supor a presença, quer seja talvez
“sonambúlica”, de concepção, como aquelas aqui relembradas, onde hoje são vistas
águias em signos e emblemas europeus. As coisas poderiam estar diferentemente
para nós, herdeiros da antiga romanidade, e em seguida pelo povo que hoje está
ao nosso flanco, herdeiro do império romano-germânico. O conhecimento do
significado originário do simbolismo ário da Águia, emblema ressurreto de ambos
nossos povos, poderia assinalar ainda o significado mais alto da nossa luta e
conectar-se com o empenho para que nesta se repita, em uma certa medida, o
mesmo caso, no qual os antigos povos ários, sob o signo olímpico e evocando a
mesma força olímpica exterminadora de entidades obscuras e titânicas, poderia
sentir-se como milícia de influência do alto e afirmar um direito superior e
uma função superiora de domínio e ordem.
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