Por André Otávio Assis Muniz
A Franco-Maçonaria nasce no século XVII, como um movimento de teor conservador.
A Franco-Maçonaria nasce no século XVII, como um movimento de teor conservador.
A Escócia, provável berço de nascimento das primeiras lojas
maçônicas, passava por um período de valorização da identidade nacional e
cultural escocesa (e consequentemente celta) e também de franca repulsa ao que
era visto como "imposição estrangeira", incluído aí o papa e o rei da
Inglaterra. Isso não nasceu "do nada". Desde o Renascimento, crescia
o anseio de busca por elementos esquecidos durante o período medieval.
Com a queda do Império Romano do Ocidente (480 da E.C.),
iniciou-se a Idade Média, marcada por um acentuado "descolamento" dos
valores da Antiguidade Greco-Romana, vista como "pagã" e, portanto,
inferior a tudo que tivesse nascido cristão.
O período posterior, o Renascimento, foi marcado como a
tentativa de se valorizar aquilo que havia de belo e de superior na cultura
greco-romana pré-cristã. Obviamente, muitos desses valores clássicos entravam
em conflito aberto com as idéias do cristianismo escolástico medieval.
O que é preciso que fique claro é que, impulsionados por um
desejo de retorno aos esplendores da Antiguidade Clássica, muitos pensadores
passavam a rejeitar o pensamento medieval e a supervalorizar o que lhe era
anterior: Os filósofos gregos, a arquitetura clássica, as belas-artes, a
literatura pré-cristã etc., passaram a ser vistas como um "modelo"
idealizado que, muitas vezes, batia de frente com as idéias da Igreja Romana. Nesse
"caldo cultural", aqui e acolá, surgem vozes rebeldes à hegemonia
católica romana e, utilizando-se do momento da Reforma Protestante, unem esses
ideais a um discurso com aparência protestante, para não chocar a uma sociedade
ainda profundamente influenciada pelas idéias cristãs. Assim, vemos surgir na
literatura do período uma exótica mistura de elementos da antiguidade
hermética, do protestantismo e do pensamento racional grego. Em livros como
"O Manifesto Rosa-Cruz", "Fama Fraternitatis", "As
Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreuz", "Nova Atlântida",
"A Mônada Hieroglífica", "O Teatro Alquímico", "A
Filosofia Oculta" etc., se misturam todos esses elementos.
A Franco-Maçonaria é filha desse período. Ela não vem da
Antiguidade e nem é uma continuação histórica das guildas medievais de
pedreiros. É algo novo que surge nesse momento de intensa atividade
intelectual. A princípio, motivada pelos ideais de fazer uma humanidade
"melhor e mais esclarecida", a Franco-Maçonaria era monarquista,
legalista e profundamente ligada à idéia de culto à Antiguidade Clássica e seus
modelos. Prova disso é a plêiade de monarcas, imperadores e "déspotas
esclarecidos" que foram iniciados nela. Mais que isso, é notável que a
primeira Constituição dos Franco-Maçons (dita "de Anderson") era
dedicada ao Duque de Montagu e cita como Grão-Mestre o Duque de Wharton.
A Franco-Maçonaria francesa, considerada a mais
"revolucionária" de todas, em seu período inicial, também era profundamente
ligada ao regime monárquico. O Rito Francês, ou Moderno, foi oficialmente
instalado no Grande Oriente da França por ninguém menos que o Duque de
Chartres, Louis Felipe d'Orleans.
Cabe notar também que o dia 14 de Julho de 1789 não foi
"o fim da monarquia francesa", mas sim a inauguração da MONARQUIA
CONSTITUCIONAL. A Revolução Francesa veio depois e foi, essencialmente, fruto
dos interesses da burguesia e não "do povo" francês. Ao contrário do
que se pensa, muitos franco-maçons franceses eram girondinos, ou seja,
defensores da Monarquia Constitucional. Aliás, um dos maiores defensores do
Ancién Regime, considerado por muitos como um visceral reacionário, também era
franco-maçom: Joseph de Maistre.
Outro dado interessante é que, até hoje, o Grão-Mestre da
Grande Loja Unida da Inglaterra é o Duque de Kent.
Muito bem. Fiz todas essas considerações prévias para
demonstrar que, em si mesma, a Franco-Maçonaria nada tem de
"revolucionária", de "anti-tradicional" ou de
"anti-conservadora". Agora passemos ao período da
"infestação".
Chamo de "período de infestação" àquele que se
estende do final da Monarquia Francesa (1792) até os dias atuais. Algumas lojas
maçônicas francesas, que eram compostas por burgueses, desejosos do fim da
monarquia e buscando alterar a ordem social com base no capital econômico e não
mais nos títulos de nobreza, começaram a servir de local de reunião para a
discussão de planos revolucionários. Alguns intelectuais radicais, partidários
dos jacobinos e dos cordeliers (a esquerda revolucionária da Assembléia
Legislativa) eram também franco-maçons.
Obtida a vitória da esquerda revolucionária, esses
franco-maçons, com o imenso poder de influência que o novo regime lhes dava,
propagavam entre seus pares que a República, o Progressismo, e a ruptura com o
passado eram "ideais maçônicos".
A Igreja Romana que, a princípio, combatia a
Franco-Maçonaria por seu "paganismo", agora a via como um local
onde as pessoas se reuniam para tramar contra a Igreja e o Trono...
A adoção da tríade revolucionária de "Liberdade,
Igualdade, Fraternidade" pelas lojas maçônicas em substituição ao
tradicional "Vivat, Vivat, Semper Vivat", ajudou a tornar as coisas
ainda mais confusas. Sendo assim, por motivos diferentes, a aversão entre
católicos romanos e franco-maçons teve continuidade.
A Franco-Maçonaria continuou sendo infestada por ideologias
exógenas nos séculos seguintes. Já no próprio século XVIII, alguns judeus e
cristãos judaizantes invadiram as lojas francesas com sua "teurgia" e
sua "cabala-cristã". Os rituais das Lojas, antes simples
procedimentos simbólicos que traziam lições morais, foram ganhando aspectos
religiosos, judaicos e constantes referências ao simbolismo hebreu.Na
Contituição de Anderson aparecem numerosas referências bíblicas, mas com um
enfoque bem cristão e bem mesclado ao paganismo (referências aos gregos,
à Thule etc.). Já nas doutrinas judaizantes, surge um tipo de culto judaico no
interior das Lojas onde são reproduzidos os artefatos do culto hebreu (Arca da
Aliança, Altar dos Perfumes, Vestes Sacerdotais hebréias etc).
No século XIX, com o pipocar de movimentos ocultistas,
espíritas, teosofistas etc., a Franco-Maçonaria foi invadida por crendices,
rituais mágicos, doutrinas espúrias e todo tipo de exotismo pseudo-espiritual.
Ao cenário judaizante já instalado, se unem os magos ao
estilo de Henry Olcott e seus teosofistas que, para piorar a situação já
caótica, resolvem "doutrinar" a Franco-Maçonaria com as doutrinas de
H.P.Blavatsky, A. Besant., Leadbeater etc. Obviamente que junto dessa mistura,
se agregam pensamentos confusos, doutrinas políticas modernas e alternativas, o
que dificultou, e muito, o trabalho de pesquisadores sérios.
Baseados no que viam, ou seja, uma instituição recheada de
pessoas 'místicas' e 'liberais', muitos pensadores condenaram a
Franco-Maçonaria como uma instituição revolucionária e com fins imorais.
No final do século XIX, alguns movimentos políticos de
natureza secreta ou semi-secreta, instrumentalizaram a Franco-Maçonaria para
seus próprios objetivos.
Valendo-se da reserva, do sigilo das lojas e do alto número
de pessoas influentes que as frequentavam, esses movimentos injetaram suas
idéias e lançaram seus tentáculos para dentro da Franco-Maçonaria,
confundindo-se com ela mesma. Daí a extrema reserva com que alguns
escritores tradicionais e monarquistas tratam a Franco-Maçonaria, por
confundirem-na com seus parasitas...
Dessa forma, a Franco-Maçonaria sofreu um desvio
revolucionário que a desfigurou em muito e, tal desvio, ainda é muito pouco
notado pelos seus membros.
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