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quarta-feira, 4 de julho de 2018

CONTRA OS NEO-PAGÃOS



Traduzido do inglês por Marcelo D. Prati
Revisado por André O.A. Muniz

Extraído de “Grundisse” por Julius Evola

É talvez apropriado destacar os mal-entendidos no corrente momento em alguns círculos radicais, que creem residir a solução na direção do neo-paganismo. Tais mal-entendidos já são visíveis no uso dos termos “pagão” e “paganismo”. Eu mesmo, tendo usado tais expressões como slogans num livro que publiquei na Itália em 1928 e na Alemanha em 1932, tenho sentido sincero arrependimento.
Certamente a palavra para pagão ou bárbaro, aparece em alguns antigos escritos em latim, como Lívio sem nenhuma conotação especialmente negativa. Mas isso não altera o fato de que com a chegada da nova fé, a palavra paganus se tornou decididamente uma expressão depreciativa, tal como foi usada pelos primeiros apologetas cristãos. Ela deriva de pagus, significando um pequeno povoado ou vilarejo, assim, paganus se refere ao modo de pensar do camponês: sem cultura, primitivo e supersticioso. De modo a promover e glorificar a nova fé, os apologetas tinham o mau hábito de elevarem-se através do rebaixamento das demais crenças. Ocorria uma constante, consciente e sistemática, depreciação e deturpação de quase todas as tradições mais antigas, doutrinas e religiões, que eram agrupadas numa desdenhosa colcha de retalhos - chamada de paganismo ou tribalismo. Com esse fim, os apologetas obviamente fizeram um esforço premeditado para ressaltar tais aspectos das religiões e tradições pré-cristãs que estavam em falta de qualquer caráter normal ou primordial, mas que eram claramente formas que já haviam caído em degradação. Tal procedimento polêmico guia, particularmente, à caracterização de tudo que precedia ao Cristianismo, e que seria portanto não-Cristão, como necessariamente anti-Cristão.
Pode-se considerar então que esse “paganismo” é um conceito fundamentalmente tendencioso e artificial que pouco corresponde à realidade histórica da qual o mundo pré-cristão fazia parte, longe dos novos e decadentes elementos e aspectos que derivaram de restos degenerados de culturas mais antigas.
Uma vez que tenhamos esclarecido tal questão, chegamos hoje a uma constatação paradoxal: a de que esse paganismo imaginário, que nunca existiu, mas que foi inventado pelos apologetas cristãos, está agora servindo de ponto de partida para certos círculos que se denominam pagãos e corre o risco de pela primeira vez na história vir a se tornar uma realidade - nem mais nem menos que isso.
Quais são os principais traços do panorama pagão atual, como os próprios apologetas creem e os declaram ser? O primeiro de todos é o aprisionamento à Natureza. Todo aspecto transcendente é completamente desconhecido para a visão pagã da vida: ela permanece trancada numa mistura de Espírito e Natureza, numa unidade ambígua de Corpo e Alma. Não há nada para sua religião além de uma supersticiosa deificação de fenômenos naturais, ou de energias tribais promovidas ao status de deuses menores. Fora disso surge, primeiro de tudo, um tipo de particularismo atado ao sangue ou ao território. Em seguida vem a rejeição dos valores de personalidade e liberdade e uma condição de inocência que é meramente aquela do homem natural, ainda não desperto para qualquer chamado verdadeiramente supranatural. Além dessa inocência, não há qualquer carência de inibição, “pecado” e prazer de pecar. Em outros domínios não há nada além de superstição, ou uma puramente profana cultura de materialismo e fatalismo. É pensado que apenas a chegada da cristandade (ignorando certos precursores que são descartados como insignificantes) é que permitiu o avanço da liberdade do mundo supranatural, permitindo a entrada da graça e personalidade, em contraste com as crenças fatalistas e atadas à natureza atribuídas ao “paganismo”, trazendo com isso o ideal católico (em seu etimológico senso de universalidade) e um dualismo sadio, que fez tornou possível o subjugar da Natureza por uma lei superior e para o “Espírito” o triunfar sobre a lei da carne, sangue e falsos deuses.
Essas são as características principais da noção comum de paganismo, ou seja, de tudo aquilo que não implica numa visão de mundo especificamente cristã. Qualquer um que possua alguma familiaridade com história cultural e religiosa, mesmo que elementar, pode ver o quão incorreta e unilateral é tal atitude. Além disso, entre os primeiros pais da igreja, há frequentemente sinais de uma compreensão superior dos símbolos, doutrinas e religiões das culturas precedentes. Aqui daremos apenas uma amostra.
O que mais distinguiu o mundo pré-cristão, em todas as suas formas normais, não foi a divinização supersticiosa da natureza, mas uma compreensão simbólica dela, em virtude disso (como tenho frequentemente enfatizado) todo fenômeno e todo evento se mostra como a revelação sensível de um mundo suprassensível. A compreensão pagã do mundo e do homem era essencialmente marcada pelo sacro simbolismo.
Além disso, o modo de vida pagão absolutamente não era o de um inocente irracional, nem um abandono natural das paixões, mesmo que certas formas disso fossem obviamente degeneradas. Já se estava ciente de um dualismo sadio, que se reflete em sua religião universal ou concepções metafísicas. Aqui podemos mencionar a dualista religião-guerreira dos ancestrais arianos iranianos, já discutidos e familiares a todos; a antítese helenística entre as “duas naturezas”, entre o mundo e o submundo, ou a nórdica entre a raça dos Ases e os seres elementares; e por último, os indo-arianos e o contraste entre o samsara, o “fluxo das formas” e a mukti, “liberação” e “perfeição”.
Nisso, todos as grandes culturas pré-cristãs compartilharam o empenho por uma libertação supranatural, ou seja, por uma perfeição metafísica da personalidade e todas elas reconheciam Mistérios e iniciações. Já tenho destacado que os Mistérios frequentemente significam a reconquista de um estado primordial, a espiritualidade das raças solares, hiperbóreas, na fundação de uma tradição e de um conhecimento que foi escondido através de sigilo e exclusividade da contaminação de um meio já em decadência. Também já vimos que no Oriente, a qualidade de um ariano já era associada com um “segundo nascimento” alcançado através da iniciação. Quanto a inocência natural, bem como o culto pagão ao corpo, isso é um conto de fadas sem evidências mesmo entre os selvagens, apesar da falta de diferenciação interna já mencionada em conexão com as raças “próximas da natureza”, tais pessoas inibem e restringem suas vidas através de incontáveis tabus de uma maneira muitas vezes mais estrita do que a moralidade das assim chamadas “religiões positivas”. E quanto ao que parece uma visão superficial que corporifica tal “inocência”, a saber, o ideal clássico, de que não havia um culto ao corpo: isso não pertence a esse lado da dualidade corpo-espírito, mas a um outro lado. Como já afirmado, o ideal clássico é aquele onde o Espírito é tão dominante que sob certas condições espirituais favoráveis, ele molda o Corpo e a Alma à sua própria imagem e desse modo atinge uma perfeita harmonia entre o interior e o exterior.
Por último, existe uma aspiração para além do particularismo encontrado em todo lugar no mundo “pagão”, que foi graças aos agrupamentos imperiais na fase ascendente das raças derivadas dos nórdicos. Tais agrupamentos eram frequentemente reforçados e refinados metafisicamente e apareciam como consequências naturais da expansão do ancestral conceito de Sacro Estado; também pela forma através da qual a presença vitoriosa do “mundo superior” e o princípio paternal e olimpiano buscava manifestar a si mesmo no mundo mutável. Nesse respeito devemos recordar do antigo conceito iraniano de Império e de “Rei dos Reis”, com sua doutrina associada do hvarenu (a “glória celestial” com a qual os regentes arianos eram dotados) e a tradição indo-ariana do “Rei do Mundo” ou cakravarti, etc., até o reaparecimento de tais significantes nas premissas “olimpianas” da antiga ideia romana de Estado e Império. O Império Romano também tinha seus conteúdos sagrados, os quais foram sistematicamente mal compreendidos e subestimados não apenas pela cristandade, mas também pelos escritores da história “positiva”. Até mesmo o culto ao imperador possui um senso de unidade hierárquica ao topo de um panteão, que eram séries de cultos ancestrais e territoriais separados pertencentes aos povos não romanos, os quais eram abertamente respeitados desde que os mantivessem dentro dos limites da normalidade. Finalmente, referente à unidade “pagã” dos dois poderes, espiritual e temporal, isso está muito longe de significar que eles estavam fundidos como uma raça “solar” o compreenderia, isso expressa os direitos superiores que devem advir de uma autoridade espiritual no centro de qualquer estado normal; portanto, isso era algo bastante diferente da emancipação e “supremacia” de meramente um Estado secular. Se fôssemos fazer similares alterações no espírito de verdadeira objetividade, as possibilidades seriam esmagadoras.

MAIS MAL-ENTENDIDOS SOBRE A VISÃO DE MUNDO “PAGÔ

Tem-se dito que existe a possibilidade de transcender certos aspectos do Cristianismo. Mas algo deve estar bem claro: o termo latino transcendere significa literalmente abandonar algo conforme se sobe, não conforme se desce! Vale repetir que o ponto principal não é a rejeição do Cristianismo; a questão não é demonstrar a mesma incompreensão sobre o Cristianismo que ele próprio tem mostrado e amplamente continua a demonstrar, sobre o paganismo. Seria melhor considerar uma questão de preencher, de completar a cristandade por meio de uma mais elevada e mais ancestral herança, eliminando alguns de seus aspectos e enfatizando outros, aqueles mais importantes, nos quais essa fé não necessariamente contradiz os conceitos universais da espiritualidade pré-cristã.
Isso, infelizmente, não é o caminho tomado pelos círculos radicais que temos mencionado. Muitos desses neo-pagãos parecem ter caído numa armadilha deliberadamente armada por eles mesmos, frequentemente terminando em advogar e defender ideias que mais ou menos correspondem ao particularismo pagão inventado e atado à natureza, ausente de luz e transcendência, que foi a criação polêmica da má compreensão cristã do mundo pré-cristão, o qual é baseado, no máximo, num punhado de elementos esparsos daquele mundo em seu declínio e involução. E como se isso já não fosse bastante, as pessoas frequentemente recorrem a uma polêmica anticatólica, a qual independente de sua justificativa política, quase sempre traz à tona e adapta os antigos clichés de característica puramente moderna, racionalista e iluminista que têm sido usados pelo Liberalismo, Democracia e a Franco-Maçonaria. Esse também é o caso, a um grau, com H. S. Chamberlain e aparece novamente em certo movimento italiano tentando conectar o pensamento racial com a doutrina “idealista” da imanência.
Há uma tendência geral e inequívoca no neo-paganismo a criar um novo e supersticioso misticismo, ,baseado na glorificação da imanência, da Vida e da Natureza, o que está em nítido contraste com o ideal olimpiano e heroico das grandes culturas arianas da antiguidade pré-cristã. Isso indicaria muito mais uma guinada na direção de um lado materialista, maternal e telúrico, se não se exaurisse num nebuloso e diletante filosofar. Para dar um exemplo, poderíamos perguntar, o que exatamente significa essa “Natureza”, que para tais grupos é de tanto interesse? É de pouca utilidade destacar que certamente não é a Natureza que foi vivenciada e reconhecida pelo homem antigo, tradicional, mas uma construção racional do período enciclopedista francês. Foram os enciclopedistas que, com motivos definitivamente subversivos e revolucionários, inventaram o mito da Natureza como “boa”, sábia e salutar, em oposição da podridão de toda a “Cultura” humana. Assim podemos ver que o mito de natureza otimista de Rousseau e dos enciclopedistas marcha no mesmo nível que o “direito natural”, o universalismo, o liberalismo, humanitarismo e a negação de qualquer forma positiva e estruturada de soberania. Além disso, o mito em questão não possui absolutamente nenhuma base na história natural. Todo cientista honesto sabe que não há espaço para a “Natureza” na estruturação de suas teorias, que possuem como objeto de determinação de equivalências puramente abstratas e relações matemáticas. Na medida que pesquisa biológica e genética são levados em consideração, podemos já ver o desequilíbrio que pode ocorrer no momento em que alguém toma certas leis como definitivas, quando elas apenas se aplicam a um aspecto parcial da realidade. Aquilo que as pessoas chamam de “Natureza” hoje não tem nada a ver com o que a natureza representava para o homem tradicional, solar, ou de acordo com o conhecimento que estava acessível a tal homem graças à sua posição olimpiana e régia. Não há nenhum sinal disso em qualquer um dos que advogam esse novo misticismo.
Incompreensões mais ou menos do mesmo tipo, surgem no que diz respeito ao pensamento político. O paganismo é aqui frequentemente usado como sinônimo de um conceito meramente mundano e exclusivo de soberania, que inverte as relações. Já vimos isso nos estados do passado, quando a unidade de dois poderes significou algo bem diferente. Ela proporcionou a base de espiritualização da política, enquanto o neo-paganismo resulta, na verdade, na politização do espiritual, desse modo ameaçando novamente o falso caminho dos galicanos e jacobinos. Em contraste, o conceito ancestral de Estado e Império sempre mostrou conexão com a ideia olimpiana.
Devemos pensar na atitude que diz respeito ao Judaísmo, Roma, Igreja Católica, Franco-Maçonaria e Comunismo como sendo mais ou menos a mesma coisa, apenas porque suas pressuposições diferem do pensamento simples popular? O pensamento do povo ao longo dessas linhas ameaça perder-se no escuro, onde não é mais possível fazer qualquer diferenciação. Ele mostra ter perdido sua genuína simpatia pela hierarquia de valores e que não é capaz de escapar da escolha entre as alternativas aleijadas do internacionalismo destrutivo e do particularismo nacionalista, já que a compreensão tradicional de Império é superior a ambos esses conceitos.
Limitando-nos a um único exemplo: o dogmatismo católico efetivamente preenche um papel preventivo proveitoso ao impedir o misticismo mundano e semelhantes erupções inferiores de passarem de certa fronteira; ele constrói uma forte barragem que protege a área onde o conhecimento transcendente e os elementos genuinamente supra-naturais e não humanos reinam - ou ao menos deveriam reinar. Alguém pode bem criticar o modo como tal transcendência e conhecimento tem sido compreendido no Cristianismo, mas não se pode levar isso na direção de uma crítica “profana” que se prende a alguma arma polêmica ou outra, fantasiando sobre a suposta natureza ariana da doutrina da imanência, de “religião natural”, culto da “vida”, etc., sem realmente perder o nível: em suma, não se pode, desse modo, atingir o mundo de seres primordiais, mas sim aquele da contra-tradição ou dos modos de ser telúricos e primitivos. Esse seria, de fato, a melhor maneira de reconverter tais pessoas com os melhores talentos “pagãos” do Catolicismo!
Deve-se ser cauteloso para que não se caia nos mal-entendidos e erros que mencionamos, os quais basicamente servem apenas para defender o inimigo comum. Deve-se tentar desenvolver a capacidade de colocar-se no nível onde a confusão didática não é capaz de alcançar e onde o diletantismo e arbitrariedade intelectuais estão excluídos; onde se resiste energicamente a toda influência advinda dos desejos confusos e apaixonados e do agressivo prazer nas polêmicas; onde, finalmente e fundamentalmente, nada mais conta além do preciso, estrito, objetivo conhecimento do espírito da Tradição Primordial.