Julius Evola
Tradução: Marcelo D. Prati
Se existe
uma característica das novas gerações, essa é a superação do elemento “romântico”;
o retorno ao elemento épico.
Não
interessam mais palavras, complicações psicológicas e intelectualistas, mas sim
ação. E o ponto fundamental é este: que, em oposição ao que é próprio
dos fanatismos e dos desvios “esportivos” das raças anglo-saxãs, as nossas
novas gerações tendem a superar o lado puramente material das ações, tendem a
integrar e clarificar tal lado com um elemento espiritual, tornando, mais ou
menos conscientemente, naquele agir, que é um liberar-se, um tomar contato real
e não estético e sentimental, com as grandes potências das coisas e dos
elementos.
Agora, há
ambientes naturais que mais particularmente propiciam tais possibilidades
libertadoras e reintegradoras da épica e da ação, e são a alta montanha
e o alto mar, com os dois símbolos do ascender e do navegar.
Aqui, pela via mais imediata, a luta contra as dificuldades e contra os perigos
materiais, se faz meio para alcançar simultaneamente um processo interno de
superação, para completar uma luta contra elementos que fazem parte da natureza
inferior do homem e que devem ser dominados e transfigurados.
Algumas
gerações de superstição positivista e materialista têm feito com que tantas
belas e profundas tradições da antiguidade sejam sepultadas no esquecimento, ou
ainda que sejam tomadas unicamente como objetos de curiosidade erudita;
ignorando e fazendo ignorar o significado superior sobre o qual tais estão
sempre suscetíveis e que pode ser sempre novamente desperto e renascido.
Isso, por
exemplo, se pode dizer sobre o antigo simbolismo da navegação, que é um dos
simbolismos tradicionais mais difusos em todas as civilizações pré-modernas,
que pode ser encontrado com características de uma estranha uniformidade, que
nos faz pensar o quão universais e profundas devem ter sido certas experiências
espirituais ante às grandes forças desses elementos. E sobre isso não cremos
inoportuno fazer aqui alguma menção:
O navegar
- e em particular o atravessar as águas tempestuosas - tem sido
tradicionalmente exaltado ao valor de símbolo, enquanto nas águas, como águas
do oceano ou águas correntes, figuraram sempre como o elemento instável,
contingente da vida terrena, da vida sujeita a decadência, ao nascimento e a
morte - e foi, além disso, e mais particularmente representado o elemento
passional e irracional que altera essa mesma vida. Se a terra firme, sob um
primeiro aspecto, se vale como sinônimo de mediocridade, de existência pávida e
pequena, pousada sobre certezas e sustento, cuja estabilidade é completamente
ilusória - o abandonar a terra firma, o voltar-se para o vasto, o afrontar
intrepidamente a corrente ou o alto-mar, portanto, o “navegar”, surge
espontaneamente como o ato épico por excelência, não apenas em sentido
imediato, mas também no sentido espiritual.
O
navegador se apresentou, então, como sinônimo de herói e de iniciado, como
sinônimo daquele que, abandonando o simples “viver”, deseja ardentemente o
“mais que viver”, num sentido de um estado superior à decadência e à paixão.
Surge
então o conceito da outra terra firme, aquela verdadeira, que se
identifica com a mesma metade do “navegador”, com a conquista que é aquela
mesma épica do mar: e a “outra margem”, é a terra primeiramente desconhecida,
inexplorada, inacessível, dada pelas antigas mitologias e pelas antigas
tradições com os símbolos mais variados, entre os quais é, contudo, tão
frequente, aquele da ilha, imagem para a firmeza interior, par aa calma
e o domínio daquele que felizmente e vitoriosamente “navegou” portando-se entre
as ondas ou a impetuosa corrente, mas sem dela tornar-se presa.
O
atravessar de uma grande corrente a nado ou como piloto de um navio era fase
simbólica fundamental naquela assim chamada “iniciação real” que se celebrava
nos Eleuses. Jano, a antiga divindade da romanidade, deus dos começos e ainda,
em sentido eminente, da iniciação daquela “nova vida”, era também o deus do
navegar; tinha entre suas insígnias características, o navio. E tal navio de
Jano, como também duas duas chaves são passadas depois para a tradição
católica, figurando na nave de São Pedro e de modo geral no simbolismo da
função pontífice. Agora, se poderia observar que o próprio termo pontifex,
nas antigas etimologias romanas, significava o “fazedor de pontes”; que pons
contudo, arcaicamente, significava também via e como “via” vinha também
correlacionado ao mar, e a Ponte vem a ser chamada dessa maneira por nenhuma
outra razão que não essa. Onde vemos como que através de uma trama oculta,
mesmo em palavras e signos, hoje quase não mais compreensíveis, são
transmitidos elementos da antiga concepção do navegar como símbolo.
No mito
caldeu do herói Gilgamesh, encontramos um exato fac-simile daquele do
Hércules dórico que colhe o fruto da imortalidade do jardim das Hespérides,
tendo atravessado primeiro o mar, sob a guia de Atlante, o titã. Também
Gilgamesh enfrenta a via do mar, zarpa seguindo a via ocidental, ou seja, a via
atlântica, na direção de uma terra, ou ilha, onde ele busca “a árvore da vida”,
enquanto o oceano é comparado significativamente às “águas obscuras da morte”.
E se nos deslocarmos na direção do oriente e do extremo oriente encontraremos
ecos de igual experiência espiritual ligados aos símbolos heroicos e épicos do
navegar, do atravessar, do velejar.
Como o
asceta budista foi de maneira muito frequente comparado a aquele que enfrenta,
corta e vence a corrente, a aquele atravessa, a aquele que navega glorioso
contra a corrente, nas águas sendo representado precisamente tudo aquilo que
vem da sede animal de vida e prazer, do vínculo do egoísmo e do aprisionamento
dos homens = assim, no mesmo extremo oriente se encontra o tema helênico da
“travessia” e da chegada na “ilha”, na qual a vida não está mais misturada com
a morte: como Avallon ou o Mag Mell atlântico das lendas irlandesas e celtas.
Nos
portemos ao Egito antigo e até o México pré-colombiano: direta ou indiretamente
encontramos não diferentes elementos. E os encontramos ainda nas lendas
nórdico-arianas. A mesma empreitada do herói Siegfried na ilha de Brunhild
compreende essencialmente o simbolismo da navegação, da travessia do mar:
Siegfried, segundo o Nibelungliedi, é aquele que diz: “As verdadeiras
vias do mar me são conhecidas. Eu posso conduzir-vos sobre as ondas.”
Podemos
mostrar que a mesma empreitada de Cristóvão Colombo teve mais relações do que
aquilo que se conhece com as obscuras ideias sobre uma terra, onde, segundo
algumas lendas medievais, se encontrariam “profetas nunca mortos”, sobre um
“Elísio transatlântico” que cai precisamente no simbolismo agora dito. Além
disso, podemos mostrar porque o conceito do talassocrate, do “senhor dos
mares” ou das “águas” muito frequentemente se ligou antigamente com o conceito
de legislador num senso superior (por exemplo, no mito pelágico de
Minos): poderemos desenvolver a ideia reclusa nas representações daquele “que
está sobre as águas” ou “caminha sobre as águas” ou “está salvo das águas” (de
Narâyâna a Moisés, a Rômulo, a Cristo) mas tudo isso nos levaria muito longe e
talvez retomemos esse assunto em outra ocasião.
“Viver
não é preciso. Navegar é preciso”. Tal palavra ainda hoje vive, ainda hoje
é sentida e configura uma das melhores correntes da nova épica da ação -
“Devemos tornar a amar o mar, a sentir a ebriedade do mar, porque vivere non
necesse sed navigare necesse est” deve dizer o próprio Mussolini. Mas em
tal fórmula, presa em seu aspecto mais alto, não subsiste talvez o eco daqueles
antigos significados?
Não
subsistirá talvez a ideia do navegar como mais que vida, como atitude heroica,
como configuração de formas superiores de existência?
Quem, lá
de onde reina o grande, livre sopro da amplidão, onde se sente toda a força
daquilo que é sem limite, seja em sua calma poderosa e profunda, seja em sua
terribilidade elementar - que sobre mares e sobre oceanos novas gerações saibam
dar “epicamente” à existência física do navegar, uma alma metafísica, tanto
para conferir conferir ao mesmo heroísmo e à mesma coragem o valor de um meio
transfigurante e para ressuscitar assim aquilo que se trancava nas antigas
tradições do zarpar e do navegar como símbolo e do mar como via através de algo
que não é nem mais e nem apenas humano - isso nos parece um dos pontos mais
altos que podem orientar a força de ressurreição ativa na nova Itália.
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