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terça-feira, 30 de maio de 2017

A Águia

 Julius Evola

Tradução e adaptação do Italiano : Marcelo D. Prati

O simbolismo da águia possui um caráter “tradicional” em sentido superior. Ditado por precisas razões analógicas, está entre aqueles que testemunhamos uma “invariavel”, ou seja, um elemento constante e imutável, dentro dos mitos e dos símbolos de todas as civilizações do tipo tradicional. As particulares formulações que recebe esse tema constante são, contudo, naturalmente diversas dependendo das raças analisadas. Aqui dizemos imediatamente que o simbolismo da águia na tradição dos povos ários teve um caráter distintamente “olímpico” e heroico, algo que nos propomos a esclarecer no presente escrito com um grupo de referimentos e de aproximações.
Sobre o caráter “olímpico” do simbolismo da águia, esse resulta já diretamente do fato que, tal animal, foi sacro ao Deus olímpico por excelência, a Zeus, o qual por sua vez, não é nada além da singular figuração ário-helênica (e depois, como Júpiter, ário-romana) da divindade da luz e da realeza venerada por todos os ramos da família ária. Em volta de Zeus foi conectado outro símbolo, aquele do relâmpago, algo que é bem lembrado, porque veremos que por tal caminho, isso acaba por completar, não raro, o mesmo simbolismo da águia. Recordemos também de um outro ponto: segundo a antiga visão ária de mundo, o elemento “olímpico” se define sobretudo em sua antítese, comparando ao titânico, telúrico e também prometeico. Ora, é precisamente com o relâmpago que Zeus abate, no mito, os titãs. Nos Ários, que viviam cada batalha como se fosse uma espécie de reflexo da luta metafísica entre as forças olímpicas e as forças titânicas, esses mesmos considerando-se como uma das primeiras milícias, veremos, além disso, águias e relâmpagos como símbolos e insígnias que encerram desse modo, um significado profundo e geralmente negligenciado.
De acordo com a antiga visão ária da vida, a imortalidade é um privilégio: não significa a simples sobrevivência à morte, mas a participação heroica e real ao estado de consciência que define a divindade olímpica. Fixemos algumas correspondências. O ponto de vista agora assinalado sobre a imortalidade é também o mesmíssimo da antiga tradição egípcia. Apenas a uma parcela do ser humano é destinada a uma existência eterna celeste no estado de glória – o assim chamado Ba. Ora, essa parte, nos hieróglifos egípcios é representada como uma águia ou um falcão (dadas as condições do ambiente, o gavião é o substituto da água, o apoio mais próximo oferecido pelo mundo físico para exprimir a mesma ideia). É sob a forma do falcão que, nos rituais contidos no Livro dos Mortos[1] a alma transfigurada do morto inspira medo aos próprios deuses e pode pronunciar tais palavras soberbas: “Eu me ergui à semelhança de um falcão ou de uma águia divina e Hórus me fez partilhar da semelhança de seu espírito, para tomar posse daquilo que no outro mundo corresponde a Osíris”. Tal herança supraterrena corresponde exatamente ao elemento olímpico. De fato, no mito egípcio, Osíris é uma figura divina que corresponde ao estado primordial “solar” do espírito, o qual, depois de ter repentinamente se alterado e corrompido (morte e dilaceração de Osíris), é restaurado por Hórus. O morto obtém a divinização imortalizadora, partilhando da força restauradora de Hórus, que o reconduz a Osíris, que provoca o “ressurgir” ou o “recompor-se” de Osíris.
Nesse ponto é fácil constatar correspondências múltiplas de tradições e símbolos. No mito helênico, se compreende, da mesma maneira, que por “águias”, seres como Ganímedes, foram abduzidos até o trono de Zeus. Por meio de águias, na antiga tradição persa, o rei Kei-Klaus tentou prometeicamente alçar-se ao céu. Na tradição hindu-ária, é a águia que carrega a Indra a bebida mística que o constituirá senhor dos deuses. A tradição clássica aqui alcança uma sugestão particular: por essa, todavia inexatamente, à águia era creditado o valor de ser o único animal que podia olhar para o sol sem abaixar os olhos[2].
Isso então esclarece a parte que cabe à águia em algumas redações da lenda prometeica. Prometeu se mostra não como alguém que seja verdadeiramente qualificado para propriamente criar o fogo olímpico, mas como alguém que, dotado de natureza “titânica”, deseja roubá-lo e fazer dele coisa não mais “divina”, mas humana. Como pena, nos relatos da lenda da qual falamos, Prometeu acorrentado tem seu fígado continuamente devorado por uma águia. A água, animal sacro do Deus olímpico, associado ao exato relâmpago que abate os titãs, nos aparece aqui como uma figuração equivalente ao mesmo fogo que Prometeu desejava tomar posse. Se trata então de um tipo de castigo imanente. Prometeu não possui a natureza da águia, que pode tomar impunemente e “olimpicamente” a luz suprema. A mesma força que deseja tomar para si, torna-se o princípio de seu tormento e de seu castigo. E aqui se aqui se abriria uma via para compreender a tragédia interior de vários expoentes modernos da doutrina de um super-homem titânico, possessos e vitimados pela sua própria ideia, começando por Nietzsche e Dostoievski, com particular atenção, também, aos heróis característicos dos romances deste último.
Voltando ao mundo do mito ário, encontramos na antiga tradição hindu uma variante daquele mito prometeico. Agni, sob a forma de uma água ou falcão, arranca um ramo da árvore cósmica, repetindo o gesto que no mito semita Adão realiza para “tornar-se semelhante aos deuses”. Agni, que por sua vez é uma personificação do fogo, é golpeado. De suas plumas caídas ao solo surge, contudo, a semente de uma planta que produzirá o “soma terrestre”. Mas o soma é um equivalente da ambrosia, é a substância simbólica que diviniza, que propicia a participação do estado “olímpico”. A estrutura do mito ário, embora de forma mais involuta, repete aquela que já analisamos no mito egípcio (ofuscamento de Osíris, ressurreição por intermédio de Hórus). Se pode falar de uma tentativa prometeica falha num primeiro momento, depois “retificada” e feita semente de uma correta realização da mesma finalidade.
Na tradição irano-ária a águia figura frequentemente como uma encarnação da “glória” do hvarenó que, como em outra ocasião pudemos lembrar, para tal raça isso não vale como uma abstração, mas sim como uma força mística e um poder real do alto, que desce sobre os soberanos e sobre os líderes, os faz partilhar da natureza imortal e os concede a vitória. Tal “glória” ária, personificada pela águia, não tolera lesões da ética viril, característica da tradição mazdeísta. Assim o mito se refere que sob a forma da águia, essa se separa do rei Yima quando esse se contaminou com uma mentira.
Baseado em tais correspondências de significado e símbolos, a participação que na Roma antiga tem a água resulta em uma clareza singular. O rito da apoteose imperial romana é um testemunho primordial e uma confirmação precisa da aderência da romanidade ao ideal olímpico. Em tal rito, um exato voo de uma águia da pira funerária simbolizada de fato o traspasso ao estado de “deus” da alma do imperador morto. Lembramos os particulares de tal rito, que foi repetido a exemplo do originário celebrado na morte de Augusto.
O corpo do imperador morto era fechado num caixão coberto de púrpura, carregado em um leito de ouro e marfim. Vinha deposto em uma pira feita no Campo de Marte e cercada de sacerdotes. Se desenrolava então o chamado decursio, do qual logo falaremos. Posto fogo na pira, uma água era solta dentre as chamas e se pensava que naquele instante a alma do morte simbolicamente se alçasse rumo às regiões celestes, para ser acolhida entre os Olímpicos.
O decursio, agora citado, era o curso das tropas, dos cavaleiros e dos líderes em torno da pira do imperador, sobre a qual esses depositavam recompensas recebidas por seu valor. Também em tal rito se encerra um significado profundo. Era a crença ária e romana, que nos líderes estivesse a verdadeira força decisiva para a vitória; ou seja, não tanto nos líderes como pessoas, quanto no elemento sobrenatural “olímpico” a esses atribuído. Por isso, a cerimônia romana do triunfo, o duque vencedor assumia o símbolo de deus olímpico, de Júpiter, e no templo de tal deus ia entregar os louros da vitória, bem distinto de sua parte simplesmente humana. No decursio se demonstrava uma “remissão” análoga: os soldados e líderes restituíam as recompensas que lembravam sua coragem e sua força vencedora ao imperador, como alguém que, em sua potencialidade “olímpica”, agora ao ponto de liberar-se e de transumanar-se, se encontrava no estado da verdadeira origem.
Isso nos conduz a examinar o segundo testemunho do espírito “olímpico” da romanidade, semelhantemente marcado pelo simbolismo ário da águia. Era tradição clássica que aquele sobre o qual pairasse a águia, fosse predestinado por Zeus a destinos superiores ou a realeza, desejando com isso indicar o pressuposto “olímpico” da legitimidade de um ou de outros. Mas era semelhantemente tradição clássica e depois especificamente romana, que a águia fosse signo de vitória, com o qual, semelhantemente, ressaltam os pressupostos “olímpicos” da mesma concepção da batalha e da vitória, ou seja, a ideia de que através da vitória do povo ário e romano, fossem as precisas forças da divindade olímpica, do deus da luz, a vencer; a vitória dos homens, reflexo daquela mesma de Zeus sobre forças antiolímpicas e “bárbaras”, era preanunciada pela aparição do exato animal de Zeus, a águia.
Essa é a base para compreender adequadamente, em relação a significados profundos vindos das origens tradicionais e sacrais, e não de alegorias vazias, a parte que a águia possuía entre as insígnias dos exércitos romanos, entre signa e vexilla, desde suas origens. Desde o período republicano, a águia foi em Roma a insígnia das legiões – se dizia: “uma águia por legião e nenhuma legião sem águia”. Especificamente, a insígnia era constituída da águia com as asas desdobradas e, além disso, com um raio entre as garras. Vem assim rigorosamente confirmado o simbolismo “olímpico” já mencionado: junto do animal sacro de Giove está exatamente o signo de sua força, aquele relâmpago com o qual ele combate e extermina os titãs.
Detalhe digno de destaque, as insígnias das tropas bárbaras não possuíam águias: nos signa auxiliarium, encontramos, em vez de animais sacros ou “totêmicos”, se encontravam outras influências, como o touro ou o aríete. Apenas num período posterior tais signos se infiltraram na própria romanidade associando-se à águia e dando lugar, frequentemente, a um simbolismo duplo: o segundo animal junto da águia nas insígnias de uma dada legião estava agora em relação com uma das características dessa, enquanto a águia representaria o símbolo geral de Roma. No período imperial, por outro lado, a águia, de insígnia militar passa a ser frequentemente um símbolo para o próprio Imperium.
Sabemos a parte que, na história subsequente, o símbolo da águia teve nos povos nórdicos e germânicos. Tal símbolo parece quase ter abandonado o solo romano e transmigrado para entre as raças germânicas, a tal ponto de muitos pensarem se tratar de um símbolo essencialmente nórdico. O que não é exato. Torna-se esquecida a origem da águia, que figura ainda hoje como emblema da Alemanha, da mesma maneira que essa foi também emblema do Império austríaco, o último herdeiro do Sacro Romano Império. Tal águia germânica é simplesmente a águia romana. Foi Carlos Magno, nos 800, que ao ponto de declarar a renovatio romani imperii retomou o símbolo fundamental, a águia e a fez o emblema de seu Estado. Historicamente, é portanto, nenhum outro além da águia romana aquela que se conservou até hoje como símbolo do Reich. Isso não impede, contudo que, partindo de uma perspectiva mais profunda e supra-histórica, sobre isso se possa pensar algo além de uma simples importação. A águia, de fato, na mitologia nórdica figurava já como um dos animais sacros a Odin-Wotan e como tal animal foi acrescentado nas insígnias romanas das legiões, assim ela também aparece nos cemitérios dos antigos líderes germânicos. Se pode, portanto, conceber que enquanto Carlos Magno, ao assumir a águia como símbolo do império ressurreto tinha essencialmente em vista a Roma antiga, ele simultaneamente, sem render-se conta, retomava um antigo símbolo da antiga tradição ária-nórdica, conservada apenas de forma fragmentar e crepuscular entre os vários cepos do período das invasões. De qualquer modo, na história subsequente, a águia termina por possuir um valor simplesmente heráldico e seu significado simbólico e moral mais profundo e originário foi esquecido. Como muitos outros, torna-se um símbolo que sobreviveu por si próprio e que assim foi ainda suscetível a servir de base a ideias mais diversas. Seria portanto absurdo supor a presença, quer seja talvez “sonambúlica”, de concepção, como aquelas aqui relembradas, onde hoje são vistas águias em signos e emblemas europeus. As coisas poderiam estar diferentemente para nós, herdeiros da antiga romanidade, e em seguida pelo povo que hoje está ao nosso flanco, herdeiro do império romano-germânico. O conhecimento do significado originário do simbolismo ário da Águia, emblema ressurreto de ambos nossos povos, poderia assinalar ainda o significado mais alto da nossa luta e conectar-se com o empenho para que nesta se repita, em uma certa medida, o mesmo caso, no qual os antigos povos ários, sob o signo olímpico e evocando a mesma força olímpica exterminadora de entidades obscuras e titânicas, poderia sentir-se como milícia de influência do alto e afirmar um direito superior e uma função superiora de domínio e ordem.
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[1] LXXVIII, 1-4, 46 da edição Wallis-Budge.
[2] Cfr. p. es. LUCIANO, Icarom., XIV

terça-feira, 2 de maio de 2017

A unidade entre sacerdotes e guerreiros

"O monge deve ser rude. Monges delicados não são verdadeiros monges. Uma pessoa delicada e suave não está preparada para a rusticidade da ascese e para os desafios da vida monástica. Desconfie sempre de todo monge delicado. Um homem delicado, por acaso, aguentaria a dureza do chão nu, o sol abrasante do deserto, as privações de todo consolo e os muitos trabalhos necessários a uma vida solitária? Mãos macias estão preparadas para arar o solo, cortar e cozer alimentos simples e sem nenhuma sofisticação, limpar a cela ou os recintos do mosteiro e manejar ferramentas para consertar e construir as coisas das quais necessita? Um homem delicado está preparado para ensinar rusticidade e autonomia a seus discípulos? Um monge deveria conseguir apartar a luta de dois tigres apenas com um bastão."

(Texto do monge Yuan-tsing. Em 815, ele foi capturado com mais de 80 anos de idade. Estava comandando um exército de insurgentes. Quando seus captores tentaram torturá-lo com um martelo, eles viram que seus ossos eram tão duros que não conseguiram quebrar suas pernas. Yuan-tsing então, berrou furioso: "Esses vermes! Se consideram homens bravos e não sabem nem como se quebra uma perna!" Então, Yuan-tsing posicionou suas pernas e mostrou aos torturadores como era o método correto para se quebrar a perna com um martelo.)


"Em suas origens védicas o tipo do Brāhman ou "sacrificador" tinha pouca semelhança com o do "padre" como nossos contemporâneos concebem: ele era, ao contrário, uma figura tanto viril como assustadora e, como temos dito, um tipo de encarnação visível no mundo humano do super-humano (bhū-deva). Além do mais, nós podemos ver que nos textos mais antigos um ponto de distinção entre o brāhman - a casta "sacerdotal" - e ksatram ou rājam - casta guerreira ou real - não existe; uma característica que nós podemos ver nos estágios mais antigos de todas as civilizações tradicionais, incluindo a Grega, a Romana e a Germânica. Os dois tipos só vão começar a se diferenciar em um período posterior, sendo este outro aspecto do processo de regressão que temos mencionado." (Julius Évola. A Doutrina do Despertar)

O Machado

Julius Evola

Tradução e adaptação do Italiano : Marcelo D. Prati

Tivemos anteriormente a oportunidade de destacar que no mundo das origens – cuja importância para as questões raciais se tornará cada vez mais evidente – onde os assim chamados testemunhos “positivos” são reduzidos ou ambíguos, o símbolo e o mito podem igualmente oferecer um precioso fio condutor para uma exploração portando-se, seguramente, mais sobre a direção da “profundidade” que naquela da “superfície”. Assim tem se reconhecido, e não de agora, do racismo alemão, espécies de um ponto em que se propõe completar suas pesquisas antropológicas e biológicas com um elemento espiritual e de “visão do mundo”, o bastante para reafirmar seus princípios no campo da história e das religiões, da mitologia comparada, das tradições primordiais, das sagas. Para nós, em vez disso, tal terreno ainda parece quase que completamente virgem. Todavia, num mundo que, como aquele da antiga península itálica, já de épocas pré-históricas, sob a influência de civilizações de gentes muito diversas, com tanto para se levar em consideração para a ocasião, um rigoroso paralelismo entre a pureza étnica e a pureza das tradições correspondentes – em tal mundo, uma investigação que reconheça o valor dos documentos e dos signos ao símbolo e ao mito, não poderia conduzir a resultados em pouco tempo.
É claro que para isso se pressupõe uma qualificação adequada e um olhar particularmente adestrado. Tal como a língua, assim também o símbolo e o mito de uma raça podem passar para outra raça, de uma civilização a outra civilização, mudando então, por assim dizer, de função, tornando-se assim um suporte de significados diferentes daqueles normais e originários. É, portanto, necessário saber se orientar e saber integrar tudo aquilo que de uma investigação do gênero possa vir a nós com firmes conhecimentos de ordem tradicional.
Isso é considerado como premissa geral para se considerar, que aqui pretendemos desenvolver ao redor de alguns símbolos que, presentes também no antigo mundo itálico e depois romano, nós testemunhamos ao modo deles, da presença de uma tradição de origem e de tipo puramente nórdico-ário ou, como preferimos dizer, hiperbóreo. Usamos preferivelmente o termo “hiperbóreo” para prevenir interpretações erradas e incertezas justificadas. Falando de “nórdico-ário”, de fato, se poderia crer que nós, mais ou menos, viemos a aderir à tese pangermânica e que reconhecemos a derivação daquilo que de mais válido apresenta a nossa gente e a nossa tradição como vindo das raças propriamente nórdicas e nórdico-germânicas. Tal como usamos, o termo “hiperbóreo” possui, em vez disso, uma extensão bem diferente. Isso se refere a um cepo absolutamente primordial, que se localiza na base do grupo universal dos povos das civilizações árias e da qual as raças propriamente nórdico-germânicas não são mais que uma particular ramificação, as forças originárias criadoras da civilização na antiga Índia, no Irã, na primeira Hélade e na mesma Roma podendo reivindicar uma mesma origem e, ao menos, igual dignidade.
Depois de ter esclarecido bem esse ponto, os símbolos principais daquela antiga herança, que pretendemos examinar e penetrar na maior profundidade e puro significado, são o Machado, o Lobo, o Cisne, a Águia, a Cruz radiada[1]. A tal exame é indispensável o método comparativo aplicado ao ciclo universal das civilizações e dos mitos ários: através daquilo que uma das tais tradições árias oferece, o que em outra se pode encontrar vem a ser integrado, confirmado ou posto em evidência mais adiante.
No presente escrito, nos limitaremos ao Machado. O Machado é um dos símbolos mais característicos da tradição hiperbórea primordial. Seus traços nos levam de volta à mais alta pré-história, segundo alguns, à última era glacial, segundo outros, ao menos ao período paleolítico. Em uma obra recente, Paulsen, entre outros, tem exposto trabalhos onde se consta a grande difusão do Machado hiperbóreo, segundo os vários achados pré-históricos na Europa. O tipo mais antigo de Machado é o assim chamado de “machado sideral”, feito de silício ou ferro meteórico, ou seja, de uma substância caída “do céu”. É agora aceito que o uso de tais machados siderais primordiais foi, sobretudo ritual e sacro. Por causa da substância da qual eram feitos, basicamente nos levam ao simbolismo mais geral da “pedra divina”, da “pedra que veio do céu” que em tantos lugares nos quais veio a surgir, na antiguidade um centro tradicional: do Omphalos de Delfo à “pedra do destino” – lia-gail – das antigas tradições britânicas, das ancilia feitas na Roma antiga com pedra caída do céu e possuindo o significado de garantia de domínio, pignum imperii, até mesmo ao Santo Graal que, segundo a tradição a conservada por Wolfram von Escenbach, a nós aparenta possuir semelhanças com uma pedra caída do céu.
Mas no caso do Machado, esse simbolismo genérico assume um significado especial, com mais estreita relação com uma tradição do tipo heroico, além de sacro. As pedras dos aerólitos simbolizavam também do “relâmpago” (de onde vem a expressão: “pietre della folgore”, pierres-à-foudre), a força celeste relampejante, e esse mesmo significado de relâmpago, de tal maneira, passa também ao Machado como arma e como símbolo veio a significar nas tradições árias e nórdico-árias, desde os primórdios hiperbóreos até a Roma antiga e à mesma era dos Vikings.
Na concepção ária da guerra – e também isso também já trouxemos à tona por outras vezes – o elemento material era inseparável do elemento espiritual, transcendente. A cada luta ou conquista, o antigo Ário via o reflexo de uma luta metafísica, do eterno conflito entre as potências olímpicas e celestes da luz e as potências obscuras e selvagens da matéria e do caos. O Machado como arma e como símbolo está em estreita relação com tais significados. Já o Machado silício aparece como uma arma “celeste” empunhada seja pelo guerreiro e pelo conquistador hiperbóreo, seja pelo sacerdote e sacrificador. Nas inscrições, datadas de uma remota antiguidade, de Fossum (Suécia) aparecem numerosas figuras que empunham o machado junto de símbolos solares. Assim é interessante notar tais duas convergências. Tais antigos símbolos nórdicos correspondem a outros de traços ainda mais antigos, próprios da assim chamada civilização franco-cantábrica das Madeleine, ou dos Cro-magnon (cerca de 10 mil anos a.C.); civilização, chamada também “da Rena”, que em nossa opinião se espalhou até a região lígure. Além disso, exatamente nos traços arcaicos da civilização itálico-lígure, figura novamente o machado junto a símbolos solares e hiperbóreos, como, por exemplo, o cisne e a cruz radiada. Em segundo lugar, foi recentemente confirmada por Franz Altheim a correspondência dos traços pré-históricos, que foram encontrados em Val Camonica com aqueles exatos suecos: também nessa região italiana se encontram inscrições que figuram o machado simbólico junto de um análogo simbolismo solar e astral. Altheim, a respeito disso, tem na verdade falado de uma verdadeira e própria “migração dórica na Itália” parecendo a ele evidente a similaridade da civilização que deixou no norte da nossa península tais traços e que teria guiado por vias enigmáticas, por fim à criação de Roma, juntos de outros dóricos que desceram até a Grécia, a qual deve ter tido sua conclusão na criação de Esparta.
* * *
Quanto ao lado propriamente espiritual, os significados já indicados no “machado sidéreo”, se encontram distintamente no culto nórdico-ário de Thor. Thor é uma figura divina que possui como característica duas armas, as quais, no fundo, se equivalem: uma é o Machado e a outra é o martelo duplo, mjölnir. As duas armas simbólicas se equivalem, pelo fato que o martelo duplo representa igualmente a potência do relâmpago, potência da qual já vimos a relação do Machado, falando dos machados meteóricos: e de resto, o duplo martelo, também no esquema de sua forma, se confunde com o duplo machado, ou machado bipene, que se inclui novamente no mesmo simbolismo e que reconduz especificamente à tradição hiperbórea. Quanto a Thor, é com tal arma que ele combate as “forças primárias”, os Elementarwesen, que tentam tomar posse dos poderes celestes (em símbolo: da “Lua” e do “Sol”); é com tal arma que, na hoste dos “heróis divinos”, ou Ansen, ele luta contra o “obscurecer divino”, contra o ragna-rökkr, a interpretar-se não romanticamente como “crepúsculo dos deuses”, a exemplo de Wagner, mas sim como eco mítico do trágico fim de um determinado ciclo de civilização e de uma dada tradição, derivada daquela hiperbórea. Ou seja, no mito.
Na história, no tempo dos Vikings, Thor surge também como um deus dos guerreiros: era fé dos Vikings, que as virtudes divinas de Thor, sua potência e sua força, se transmitissem em um certo modo a aqueles que empunhassem seu emblema, o Machado, como símbolo da presença dessa mesma divindade. E tal fé esteve na base da mesma realeza nórdica: encontramos reis nórdicos, dinamarqueses e suecos tendo o Machado como símbolo do poder ou como signo de sua dinastia – esse aparece nas bandeiras das hostes de Sven da Dinamarca na conquista da Inglaterra em uma miniatura de Matteo de Paris e se conserva na mesma insígnia real norueguesa, onde é o Machado, e não o Leão, o elemento mais significativo e mais originário. Esse prestígio místico do símbolo hiperbóreo no norte foi tal que no período da cristianização, a nova fé o conservou: fazemos alusão ao culto, extremamente difundido no norte, de Santo Olaf, o qual era uma espécie de reencarnação cristianizada de Thor: como Thor, ele possui uma barba dourada e empunha o Machado, como Thor ele é um místico protetor do país, esse santo, sendo já um rei, passado na forma de um “rei perene da Noruega” – perpetuux rex norvegiae – ao ponto de que os soberanos subsequentes consideravam reinar em seu nome (Paulsen).
Além disso, a mesma conexão do supremo poder com uma espécie de consagração transcendente no signo hiperbóreo do Machado se encontra por sua vez na Itália, e, através dos Lígures, onde o Machado semelhante relação com a realeza, conduz até ao Machado incluso no símbolo litório da Roma antiga, símbolo do poder e do direito, tendo tantos ignorado seu significado primordial, eminentemente sacro, interpretado, em vez disso, em termos sobretudo jurídicos e políticos, e assim profanos e seculares.
Dentro dos mesmos significados se encontram em outras tradições árias. Relembremos aquela indo-ária relativa a Paraśu-Râma, ou seja, Râma do Machado. Com o machado bicúspide hiperbóreo, segundo a tradição a nós transmitida de forma mais ou menos mítica pelo Mahābhārata, essa figura de herói divino ou de condutor criador de civilização, quando os progenitores dos conquistadores ários da Índia ainda habitavam em uma região nórdica, tinham exterminado os mlecchas, uma espécie de titã, uma casta guerreira degenerada, que havia tentado usurpar a suprema autoridade espiritual.
No ciclo mediterrâneo, a figura de Zeus Labrandeus, ou seja, Giove do Machado bicúspide, nos leva à já indicada relação entre o Machado e o Relâmpago, arma basilar de tal deus olímpico: mas o relâmpago é a força com a qual Zeus abate os Titãs e os Gigantes de sua tentativa de tomar posse dos territórios olímpicos, mito, tal, que novamente reflete seja o tema de uma “guerra metafísica perene”, que se diz ser característico para a espiritualidade heroica, ária, ou seja o testemunho dos embates entre diversos tipos de espiritualidade e entre várias raças na Hélade mais ancestral. Sempre sobre tal base, o machado foi e pode ser efetivamente considerado como símbolo da espiritualidade heroica ária: desde os troncos ários primordiais ele foi empunhado em empreitadas guerreiras, que em tal se valiam como uma espécie de dramatização ou continuação da luta metafísica na sombra do mito: e ao mesmo tempo figurou nos ritos, na intenção de evocar e determinar, através do sacrifício, forças invisíveis. Apenas mais tarde, quando o conceito de “sacro” é disposto em uma outra ordem de ideias, identificando-se propriamente com “santo”, o Machado pouco a pouco perdeu seu significado original e não passando mais de uma arma e um instrumento sem alma.
Voltando ainda ao antigo mundo mediterrâneo, é extremamente significativo reencontrar o machado, mas partido, nos traços mais antigos de culto da civilização pelásgica: machados partidos eram ofertados às divindades com uma inversão dos significados – no que diz respeito ao culto ário – que é quase satanismo. Na realidade, a civilização pelásgica surge no Mediterrâneo pré-ariano e pré-helênico e num ciclo religioso, na qual se sustenta a figura de uma mulher divina e na qual mulheres ou homens afeminados tinham uma parte fundamental no culto. Em tal ciclo, Zeus cessa de ser um deus olímpico para tornar-se um tipo de demônio sujeito ele mesmo à morte – tanto que em Creta se figurava sua tumba; aqui a figura do deus das águas e do fogo subterrâneo se mistura ao culto de entes da vegetação selvagem e do reino animal e, de um outro ponto de vista, a cultos e costumes semíticos-asiáticos impressos por um confuso ímpeto dionisíaco, do afroditismo, de um êxtase inconsistente e desordenado.
Ao mesmo tempo, vemos que o Machado, em tal antigo mundo mediterrâneo pré-ariano, é roubado pela divindade feminina e pelas Amazonas; detalhe significativo, este ultimo, não apenas se sabe que as Amazonas, “mulheres viris” e guerreiras, não são nada além de uma figuração mítica que, através do símbolo faz alusão essencialmente à tentativa de furto da forma “feminina” de espiritualidade contra a tradição heroica, solar e “urânica” (celeste) de origem hiperbórea. Mas o mito fala também de Hércules o herói mais representativo da estirpe dórico-ária e de outros heróis aliados às potências olímpicas, que combatem as Amazonas, matam sua rainha e entre os troféus de suas vítimas retomam – entre outras coisas – o exato Machado, o símbolo hiperbóreo roubado. O mito não poderia falar de maneira mais clara.
Seria fácil indicar desenvolvimentos análogos na trama da antiga história itálica e também na de Roma: combates entre forças profundas das raças, entre forças humanas e divinas que de tempos em tempos se manifestam em diversas formas, ora políticas, ora sociais, ora religiosas. Por exemplo, a civilização etrusca é considerado elementar como tendo surgimento no ciclo mediterrâneo-oriental das raças pré-arianas, contra as quais já haviam lutado a Hélade acaia e dórica. Roma, que assume o Machado, símbolo já etrusco, na insígnia litória do poder, repete quase o gesto vingador que no mito se refere a Hércules e do qual falamos agora há pouco. Tudo aquilo de grande que Roma realizou, o realizou através de um esforço tenaz de purificação e de superação de elementos itálicos e não-ários mesclados, nas origens, com as forças da tradição ária e nórdico-ária. Machado, Loba, Águia, Cruz radiada, etc. – os símbolos sacros dos conquistadores hiperbóreos – reaparecem, contudo, no centro da grandeza romana, como silenciosos signos de seu “mistério”.
NOTA CRÍTICA
Os referimentos, claramente negativos, de Evola ao fim deste ensaio sobre a civilização Pelásgica e a etrusca, nos obrigam aqui a algumas considerações de revisão crítica.
Sobre os Pelásgicos, diferentemente daquilo que pensasse Evola (especialmente sob a guia de Piganiol), hoje se tende a considerá-los como vanguardistas (desde o III-II milênio a.C.) dos povos indoeuropeus e vêm a tornar-se objeto de uma atenção crítica mais madura e menos “maniqueísta”. São vistos os seguintes estudo: C. DE PALMA, La Tirrenia antica, vol I, Sansoni, Firenze 1983, pp. 263-264 e passim; M. SAKELLARIU, Peuples préhelleniques d’origine indo-européenne. Athenai 1977 e do mesmo: Les proto-grecs. Athenais 1970; Ch. LAHALLE, Le peuplement de la Grèce et du bassin égéen aux hautes époques, em “Nouvelle Ecole” n. 43 (inverno 1985-86), pp. 133-137 (análise crítica das obras de Sakellariu). Análogo discurso se poderia fazer sobre a complexa questão dos Etruscos, ainda não resolvida, mas para afrontar-se com a devida cautela e sem preconceitos ou conclusões precipitadas de qualquer tipo. Veja também: R. DEL PONTE, Etruschi Troiani e la critica attuale, prefácio de L’etruria nell’Eneide de B. NARDI, Genova 1981, pp. 7-11; M. E. MIGLIORI, revis. por J. EVOLA, La Forza rivoluzionaria di Roma, em “Arthos”, XII-XIII, 27-28 (1983-1984), pp. 80-82 (no qual se reassume os termos da questão e se manifesta a necessidade de redimensionar a posição de Evola sobre a questão etrusca, que mantém sua validade apenas como hipótese de trabalho para a época na qual foi formulada, ou seja, nos anos trinta).
A postura de Evola é pesadamente acometida de formas ‘dualísticas’ desenvolvidas sobre um plano histórico-metafísico anteriormente por Bachofen no século XIX e depois por Piganiol, num plano mais profano (e assim ainda menos justificado), na primeira metade do século XX. Assim retoma essa postura M. ELIADE, La nostalgia delle origini Mocelliana, Brescia 1972, pp. 148 e seg.: “Brevemente, por volta dos anos vinte, a classificação dual da sociedade e do mundo, com todas as suas cosmologias, as mitologias e rituais que essa mantinha, foi considerada como possuidora de uma origem social (Durkheim e seus seguidores) ou uma origem histórica; esse ultimo caso resultava da mistura de dois grupos étnicos: uma minoria de conquistadores civilizados e uma massa de aborígenes ainda presos a um estado primitivo (Elliot Smith e os pan-egipcianistas). Nem todos os ‘historicistas’ caíram nesse excesso de tais extremistas da teoria ‘difusionista’. Mas diante de uma certa forma de ‘dualismo’, eram tentados a explicá-la ‘historicamente’, ou seja, como uma consequência do encontro de dois povos diferentes, seguido de sua mistura. Para tanto, como exemplo, em seu livro Essai sur les origines de Rome (1916), A. Piganiol explicava a formação da nação romana como a união dos latinos, ou seja, daqueles indo-europeus, com os Sabinos, e estes últimos faziam parte, segundo o estudioso francês, de um grupo étnico mediterrâneo (...). Depois de 1944, Georges Dumézil pacientemente desfez essa interpretação. Sabemos agora que os dois modos sepultamento – cremação e inumação – não refletem uma dualidade étnica. De fato, tais dois costumes frequentemente coexistiam (...). A compreensão da função das polaridades na vida religiosa e no pensamento das sociedades arcaicas e tradicionais requer um esforço hermenêutico e não uma desmistificação.” (n. d. c.)



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[1] Como no programa de Evola à época da redação do presente escrito. Na realidade, parte dos estudos previstos, como se pode constatar ao índice desta coleção, contudo jamais realizada.