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quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O Natal Solar

Julius Evola

Traduzido do italiano por Marcelo D. Prati


Dentre os outros, dois resultados, não em pouco tempo devem conduzir a doutrina da raça a um plano espiritual: em primeiro lugar, com um retorno às origens, essa deve trazer de volta à luz os significados mais profundos das tradições e dos símbolos, que foram obscurecidos no curso dos milênios, dos quais sobreviveram não mais que fragmentos esparsos, deteriorados em costumes e festas convencionais. Em segundo lugar – e não sem relação a isso – a doutrina da raça deve despertar a sensibilidade para uma concepção vivente de mundo e da natureza, para limitar o poder daquela racionalista, profana, cientificista e fenomenicista, que seduziu o homem ocidental por séculos até hoje. E, sobre tal senso vivente e espiritual das coisas dos fenômenos, os melhores pontos de referência podem ser dados, sobretudo das concepções “solares” e heroicas, que as mais antigas tradições arianas possuíam precisamente.
Bem poucos suspeitam que as festas atuais, que ainda hoje, no século dos arranha-céus, do rádio, dos grandes movimentos de multidões, se celebram e tanto as cosmópoles quanto as trincheiras, máquinas de guerra e massas combatentes, dão continuidade a uma tradição remota, que nos leva a tempos quando, num período próximo da aurora da humanidade, se iniciou o movimento ascendente da primeira civilização ariana; uma tradição na qual, contudo, se exprime menos uma crença específica dos homens, que a grande voz das mesmas coisas.
Desejando aqui dizer algo sobre isso, antes de qualquer coisa, vamos relembrar um fato que por muitos é ignorado, quero dizer, que a origem da data do Natal e aquela do início do novo ano coincidiam, não sendo essa uma data arbitrária, mas conectada com uma precisa ocorrência cósmica, no solstício de inverno. O solstício de inverno cai justamente em 25 de dezembro, que é a data do Natal conhecida desde então, mas que em suas origens, possuía um significado essencialmente “solar”. Ele aparece ainda na Roma antiga: a data natalícia na Roma antiga era aquela do ressurgir do Sol, deus invencível – Natalis solis invicti – Assim, como diz do sol novo – dies solis novi – na época imperial se iniciava o ano novo, o novo ciclo. Mas tal “natal solar” de Roma do período imperial, por sua vez, remonta a uma tradição ainda muito mais remota, de origem nórdico-ariana. Do mais, o Sol, a divindade solar surge já entre os dii indigetes, ou seja, entre as divindades das origens romanas, recebidas dos ainda mais longínquos ciclos de civilizações. Na realidade, como diremos, a religião solar do período imperial, em larga medida, possuiu o significado de uma retomada e quase de um renascimento, infelizmente alterada por vários fatores de decomposição, de uma antiquíssima herança ariana.
Mesmo a pré-história itálica pré-romana é rica de traços do culto solar: carros solares, discos, discos radiados, estrelas radiadas, cruzes de todo tipo, sem excluir as cruzes gamadas gravadas, por exemplo, em machados arcaicos descobertos em Piemonte e na Ligúria. Dessa maneira se pode constatar a passagem, na Itália antiquíssima, da mesma tradição que deixou, desde a idade da pedra, traços semelhantes ao longo de todo o itinerário das grandes migrações ário-ocidentais e nórdico-arianas. Símbolos, signos, hierogramas, notações calendárias ou astrais rudimentares, figurações sobre vasos, armas ou ornamentos, enigmáticas disposições de pedras rituais ou de cavernas, depois, mais tarde, ritos e mitos sobreviventes em civilizações tardias, se estudados segundo os novos pontos de vista próprios à investigação espiritual e racial do mundo das origens, oferecem ainda testemunho concordante e unívoco não apenas sobre a presença de um culto solar unitário como centro da civilização dos povos arianos primordiais, mas também sobre a importância especial que nesse possuía a data “natalícia”, vale dizer, aquela do solstício de inverno, o 25 de dezembro.
A fim de evitar equívocos, será contudo, bom recordar a uma certa classe de leitores, os quais, nesta sede já tivemos a chance de notar, vale dizer, que falando de um culto solar pré-histórico não se deve em nenhum momento pensar em formas inferiores de uma religião “naturalística” ou idolátrica. É uma estupidez pensar que a antiga humanidade e sobretudo a grande raça ariana divinificasse supersticiosamente os fenômenos naturais – a verdade é o contrário disso, que a antiguidade concebia os fenômenos naturais essencialmente como símbolos sensíveis de significados superiores, espirituais – assim, mais ou menos como espontaneamente sustentados oferecidos aos sentidos pela natureza para que fossem capazes de serem contemplados tais significados transcendentes. Que as coisas, entre a parte menos qualificada de um dado povo antigo, às vezes, possam ter ocorrido de outra maneira, tal fato pode ser relacionado, mas evidentemente prova assim pouco, sobre o fato não raro do passar em forma de superstição escrupulosa e detalhada mesmo em alguns cultos cristãos, em certos povos incultos e fanáticos do sul.
Prevenido assim um notável mal entendido, o significado simbólico das expressões arcaicas arianas, como “luz dos homens”, ou “luz dos campos” – landa ljòme – dadas ao sol, deve tornar-se claro e se pode também compreender que exatamente o inteiro curso do sol no ano, com as suas fases ascendentes e descendentes, se apresentassem da mesma maneira nos termos de um grandioso símbolo cósmico. Em tal evento solar, o solstício de inverno constitui uma espécie de ponto crítico, vivido segundo uma particular dramaticidade no período o qual a estirpe ariana originária ainda não tinha deixado as regiões nas quais sobrevinha o clima ártico e o pesadelo de uma longa noite. Em tais condições, o ponto de solstício de inverno – o mais baixo da eclíptica – aparentava como aquele em que a “luz da vida” parecia extinguir-se, tramontar, submergir na terra desolada e gelada ou nas águas ou entre as profundezas das selvas, de onde, contudo, subitamente outra vez se ergue a resplandecer com novo fulgor. Aqui brota uma vida nova, se põe um novo início, se abre um novo ciclo: A “luz da vida”, se reacende. Brota ou nasce das águas o “herói solar”. De além da obscuridade e do gelo mortal vem viva uma liberação. A simbólica árvore do mundo e da vida se anima de nova força. É em relação a todos esses significados que já nos tempos pré-históricos anteriores de milênios à era vulgar, que uma quantidade de ritos e de festas sacras se dispuseram a celebrar a data de 25 de dezembro, como data de nascimento ou renascimento, no mundo assim como no homem, da força “solar”.
Pouco se sabe que mesmo a tradicional árvore de natal, ainda um costume em muitos países e em parte também na Itália, mas na forma de uma atividade infantil ou, no máximo, de boas famílias burguesas, é um eco residual próprio de tal antiquíssima, estrita tradição ariana é nórdico-ariana. Uma tal árvore, extraída de uma “sempre-viva”, semper virens, ou seja, da planta que não morre no inverno, pinho ou abeto, reproduz a árvore arcaica da vida ou do mundo, que no solstício de inverno se ilumina de nova luz, o que é expresso exatamente pelas luzinhas com as quais a adornamos e que são acendidas em tal data. E os “presentes” dos quais tal árvore se enche – hoje meramente regalos para crianças – representam efetivamente o simbólico “dom da vida” pertencente à força solar que nasce ou renasce. Mas o momento em que o semper virens, a planta que não morre, se renova e se ilumina no simbolismo primordial, também aquele, como se diz, o “herói solar” surge das águas do mesmo modo que, segundo um mito continuado até o Medievo gibelino depois de ter tido parte importante nas lendas relativas a Alessandro Magno, a árvore cósmica é também uma árvore “solar”  possuidora de uma íntima relação com a assim chamada “árvore do império” – arbor solis, arbor imperii.
Tal fato nos  leva a considerar um outro aspecto bastante interessante das tradições verbais, pelo qual desejamos particularmente referir-nos à antiga romanidade.
O mithraismo, ou culto de Mithra, como se nota, é a forma tardia assumida pela antiga religião aria-iraniana (mazdea), em uma formulação particularmente adequada a uma mentalidade guerreira. Difundido tal culto na romanidade, sob Aureliano a data do “natal solar” ou solstício de inverno, o 25 de dezembro veio a se identificar com a celebração do Natalis Invicti, ou seja, o nascimento de Mithra considerado como um herói “solar”.
Ao redor do mithraismo em Roma, como se destaca, seria muito superficial, para não dizer grosseiro, falar sic et simpliciter de “importações” ou “influências orientais”: o oriente daquele tempo era uma coisa bastante complexa, na qual figuravam elementos muito heterogêneos – mas dentre esses, indubitavelmente, também partes importantes e incorruptas da herança espiritual dos povos arianos e indo-europeus. No que diz respeito à relação que foi estabelecida entre Mithra e o “natal solar” romano, um notável estudioso pode observar muito corretamente, que isso não é uma alteração, mas em vez disso, é uma renovação do calendário romano segundo o qual seu antigo aspecto astronômico e cósmico que possuía nos tempos primordiais de Rômulo e de Numa e que conferia às festas o significado de grandes símbolos na coincidência das datas de tais com grandes eras da vida do mundo.
Depois disso, é importante examinar o atributo de invictus-aniketos – dado a Mithra – ao herói solar na nova concepção romana. É um atributo “triunfal”. Nas tradições originárias ario-iranianas e afins, esse é o atributo de toda natureza celeste e eminentemente do sol, enquanto a luz que vence as trevas, força luminosa urânica sobre a qual jamais aquelas da noite e da escuridão prevalecerão. Mas em Roma, vemos que o mesmo epíteto invictus torna-se um título imperial, cesáreo e nós sabemos que o mithraismo, mais do que o culto de uma divindade abstrata, torna-se “indutor” – por assim dizer – da mesma qualidade de Mithra nos iniciados, por meio de uma certa transformação de sua natureza. É então, evidente a tendência a compreender também de modo simbólico e analógico o atributo “solar”, de modo a poder fazer valer para o homem e propriamente a demarcar o tipo e o ideal de uma humanidade superior – para não dizer, verdadeiramente, uma “super-humanidade”. Como o sol ressurge, perenemente vitorioso sobre as trevas, de igual maneira, em uma perene vitória interior sobre a natureza mortal e instintiva se traz à completude um ser, que uma mística virtude age, regularmente, eminentemente à função de rei, de líder, de dirigente. É assim que em Mithra, o “herói solar”, foi venerado em Roma um fautor imperii; é assim que se estabelece uma íntima relação do simbolismo solar com as ideias de realeza e de império, em sua mais alta forma.
Tal relação seria destaque particular nas tradições heroicas dos antigos povos arianos, e nós, nesse mesmo local, já falamos dela, tratando da doutrina mística da “glória”. Não desejando repetir, portanto, coisas já ditas, nos limitaremos a relembrar da presença desses mesmos significados na antiga Roma. A victoria Caesaris, ou seja, a mística força triunfal que, no símbolo de uma estatueta, de um César era transmitido a outro, reflete exatamente as mais antigas tradições ario-iranianas em volta da realeza e o assim chamado hvarenô: pois, como já dissemos no artigo relembrando, o hvarenô se vale como uma misteriosa força “solar” de invencibilidade e de “glória” que investe o dirigente, faz desse algo de mais que simples homem e a ele testifica sua certa vitória.
Uma antiga efígie romana de Sol representa esse deus simbólico com a mão direita elevada em gesto “pontifical” de proteção e com a esquerda segura uma esfera, símbolo do domínio universal. Em outra imagem, se vê, contudo, o mesmo deus que transmite o globo ao imperador, junto das inscrições, as quais se referem exatamente à “solaridade”, estabilidade e ao imperium de Roma: Sol conservator orbis, Sol dominus romani imperii. Outro medalhão particularmente interessante possui no centro a imagem laureada do imperador – com a cabeça cingida pelo semper virens, de impecáveis ramos: atrás está o deus solar com a esfera, mas ainda, próximo, uma cruz gamada (que vemos ainda presente também na Roma antiga) e os dizeres: soli invicto comiti – ou seja: ao deus solar, companheiro invencível. Ainda uma imagem – conservada no Museu Capitolino – nos mostra a associação do símbolo do Sol Sanctissimus com a Águia, com o animal fatídico de Roma, que se pensava fosse também aquele, através do qual o espírito transumado dos imperadores mortos vinha simbolicamente carregado da pira funerária no céu. Demonstrações análogas podem ser facilmente multiplicadas. Não é arriscado dizer que esses nos falam de um verdadeiro e próprio “mandato divino solar” qual alma viva daquela função imperial cesárea, que, para nós, no mundo antigo, foi uma espécie de último meneio de significados arcaicos, pouco a pouco perdidos.
Na antiga semana romana, o “dia do sol” era o “dia do senhor” – e esse significado sobreviveu nos tempos sucessivos com o termo de domingo (domenica), vindo de dominus, senhor, assim como na designação germânica sonntag ou em inglês Sunday para o mesmo dia de “festa” se conservou literalmente o significado de “dia do sol” e com isso, o reflexo da antiga concepção solar ariana. Algo da sabedoria dos primórdios parece assim estar conservado, de alguma maneira, na mesma festa anual do Natal, mesmo que a celebração do ano novo esteja dela dissociada. O simbolismo da luz permanece – se recorda, por exemplo, a palavra do prólogo do Evangelho de João: erat lux vera, quae illuminat omnem nominem venientem in hunc mùndum – assim como o atributo de “glória”, que surge um pouco mais abaixo. Em traços monumentais do primeiro período romano o mesmo símbolo da cruz se une àquele solar.

Na tradição ariana e nórdico-ariana e na mesma Roma, o mesmo tema foi uma carga não apenas religiosa e mística, mas sacra, heroica e cósmica ao mesmo tempo. Foi a tradição de um povo, ao qual a mesma natureza, a mesma grande voz das coisas, falou naquela data, de um mistério de ressurreição, de nascimento ou renascimento de um princípio não apenas de “luz” e de nova vida, mas também de um imperium, no senso mais alto e augusto do termo.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Espírito de torcida ou de seita: O que isso tem a ver com Maçonaria

André Otávio Assis Muniz

               A vida é repleta de ironias. É realmente incrível como a maioria das pessoas não consegue enxergá-las. O presente texto não é sobre a ironia em si, mas sobre algumas ironias que parecem passar despercebidas para alguns maçons.
               Convido o leitor a me acompanhar em alguns raciocínios simples que culminarão na tese central que sustento nesse ensaio. Iniciemos pois.

1 – O Espírito de torcida ou de seita

               Qualquer pessoa civilizada, ao se deparar com as cenas grotescas de agressão entre torcidas organizadas de futebol, sente uma repulsa natural, um misto de estupefação com revolta diante de tamanha ignorância e incivilidade. O que essas pessoas estão defendendo? Um clube que nem as conhece? Uma cor de camiseta? Um desenho com o brasão do clube desportivo? Essencialmente, o que muda de um clube para o outro? Não são todos praticantes do mesmo esporte? Não têm essas pessoas muito mais em comum umas com as outras do que diferenças?
               Da mesma maneira, agressões verbais, xingamentos, ataques pessoais, sejam físicos ou psicológicos, motivados por motivos religiosos e ideológicos, são a antítese da tolerância e da convivência entre povos civilizados. Nenhuma pessoa madura, com alguma educação e reflexão, se tornará inimiga de outra pelo fato de ser judia, cristã, muçulmana, ateia, budista, hindu, sikh, ou seja lá de que religião for. Aliás, em geral, o contato com pessoas de religiões e culturas diferentes é uma excelente oportunidade para aprender. Quantas e quantas vezes ouvimos críticas ao fanatismo de algum religioso que ataca outras pessoas por desposarem ideologias diversas da sua? Quantas violências vemos perpetradas por diferenças entre religiões e culturas? Não é isso chocante para nós? Sem dúvida que sim.

2 - O Espírito Maçônico

               A Maçonaria sempre desposou uma visão tolerante e universalista. Sempre advogou a liberdade de consciência e de expressão, sempre esteve contra as imposições, contra as ditaduras ou os amordaçamentos ideológicos. Esse espírito descrito acima, de torcida, de seita, de facções galerianas amotinadas, é o oposto do tipo de civilização defendido pela Maçonaria.
               Seguindo um tipo de ideologia inspirada na tolerância dos filósofos e sábios do Mundo Antigo, que viam as diversas ideologias religiosas e políticas como uma expressão parcial da Verdade e sustentavam que a Verdade Metafísica estava para além das formas e particularidades culturais ou temporais, os maçons foram acusados por grupos intolerantes de “relativistas”, de “tramar contra a Igreja”, de “conspiradores, “satânicos”, “liberais” entre outras coisas.

3 – Começam as ironias

               No Brasil, por exemplo, no início da implantação das Igrejas Evangélicas, a Maçonaria foi a principal defensora da liberdade de culto. Alguns dos primeiros cultos evangélicos no Brasil, pasme o leitor, ocorreram dentro de templos maçônicos e eram os maçons que protegiam pastores, depósitos de Bíblias da tradução de João Ferreira de Almeida (tradução evangélica condenada por Roma) e a paz dos evangélicos que iam congregar, contra a fúria de alguns párocos católicos romanos e irmandades que queriam, a todo custo, impedir a implantação dessas igrejas em território nacional. Hoje, por conta de uma dessas “ironias do destino”, há uma imensa quantidade de igrejas evangélicas a acusar os maçons de “satanistas”, “idólatras”, “filhos das trevas” etc. A principal das acusações também tem lá o seu “quê” de irônico. Dizem essas igrejas que nada que seja “da Luz” precisa ser secreto. Que só as obras “das Trevas” necessitam ser feitas a portas fechadas. Ignoram esses sectários que o cristianismo, até o ano de 313, era clandestino e só celebrado secretamente. As igrejas se reuniam em catacumbas (e nem por isso “adoravam os mortos” ou os “espíritos das trevas”), os cristãos não se declaravam publicamente como cristãos e os seus locais de culto eram conhecidos apenas pelos membros da comunidade. Graças a isso, fizeram diversas acusações a eles. Dentre elas, que praticavam “antropofagia”, que sacrificavam crianças, que bebiam sangue, que adoravam um morto-vivo judeu. Quanta coincidência não?

4 - Ironias intra-muros

               Apesar de haver, por assim dizer, um conteúdo e um simbolismo base geral, já há muito tempo atrás, a Maçonaria começou a ser praticada seguindo padrões e formas diferentes. Cada região, mais ou menos extensa, acabava por ter o seu próprio padrão e suas particularidades, influenciados por pensadores, intérpretes, místicos etc.
               Como é óbvio supor, padrões, costumes, formas e usos acabaram por se condensar em sistemas maçônicos chamados de “Ritos”. Cada Rito dá enfoque em um determinado conjunto de ensinamentos maçônicos e esses ensinamentos, por sua vez, são expressos em seus costumes e símbolos. Por uma necessidade organizacional, esses Ritos passaram a se tornar progressivamente institucionalizados e, para tanto, começaram a surgir patentes, autorizações, regulamentações etc., para a preservação das tradições recebidas. Aí começa o enguiço. Aquilo que, fundamentalmente, servia para unir os Irmãos em torno de um ideal comum, se torna uma causa de raivosas dissensões.
               Já em pleno século XVIII, Fichte escreveu:

               “Por outro lado, a sociedade (Maçonaria) se divide internamente e cessando toda                unidade, os Irmãos separam-se em seitas, que chamam sistemas; acusam-se uns aos outros de heresia, excomungam-se e repetem o jogo de uma igreja que pretende só ela tornar felizes os homens. O venerável Servati pergunta: “E se eu quisesse tornar-me maçom, onde estão os verdadeiros mestres?”. E em seu volumoso livro não sabe dar a resposta. Entrementes, os maçons de todas as cores e distintivos respondem uníssonos: “Em nenhuma, em nenhuma outra parte a não ser conosco.
            Ora, qual é a consequência? O profano, que antes tinha respeito ao menos pelo nome de          IRMÃO, acha agora ridículos os maçons que se perseguem mutuamente e se acusam de                heresia. E recai sobre a Maçonaria algo muito pior que todas as perseguições: o frio                desprezo e a derrisão da gente culta.” (Philosophie der Maurerei, Briefe an Konstant –                Filosofia da Maçonaria, Cartas a Konstant. Tradução de João Nery Guimarães)

               Esses dias atrás, depois de um evento maçônico, comecei a receber prints de uma outra instituição que nos chamava de “mentirosos”, “escroques”, “bandidos”, “falsificadores”, “perjuros”, “estelionatários” e comparava nosso grupo a uma “boneca inflável”. Outra publicação, desse mesmo grupo, nos comparava com uma nota de dinheiro falsa. Isso foi escrito por alguém que se denomina “Irmão” e que, em sua instituição, pratica algo muito semelhante ao que praticamos na nossa. Foi publicado em uma página de instituição que se diz maçônica, em plena internet, aberto, para todo mundo ver. E todo mundo viu, comentou e “printou”. Isso, fora da Maçonaria, é pura e simplesmente, crime de calúnia (imputar a alguém prática tida como crime, ou seja “falsificadores” e “estelionatários”) e de difamação (tornar conhecida uma injúria, algo que afete a honra e a moral subjetiva de alguém, no caso “escroques”, “bandidos” e “perjuros”), e se resolve com denúncia, processo criminal e civil (por dano moral e material).
               Pensando agora, por outro ângulo, a questão seria até relativamente simples se fosse resumida a uma questão legal. No entanto, essas manifestações demonstram um discurso de ódio, um espírito de seita, de torcida, de facção que adere a um líder ou a um discurso e se torna cega para qualquer argumento em contrário. É uma ironia que isso seja praticado dentro de uma instituição que prega tolerância, respeito e liberdade de consciência, não é? O que essas pessoas, que praticam esse tipo de ação, aprenderam com tantos Graus Maçônicos? A ser mais incivilizadas, grosseiras e descorteses? A se inflar com pretensão de serem melhores que as outras por estarem na instituição X, Y ou Z? O que estão defendendo? Seu “clube”?  A cor do seu avental?
               A grosseria de alguns “Irmãos” para com seus semelhantes é chocante. Revestidos com seus paramentos de “autoridade” se tornam detestavelmente arrogantes, pretensiosos de um grande “poder” que só existe em sua imaginação.
               Em um lugar me disseram que se eu não preenchesse tal ficha eu não “existia” para uma determinada Ordem Inglesa. E isso em um tom incrivelmente arrogante. Sério mesmo? Eu sou reduzido a esse papelzinho aí? É essa a “moral”? Reduzir pessoas e suas particularidades a um bolo de fichas? Não preenchi e não preencherei. Prefiro não existir para quem pensa dessa forma.
               Uns tentam diminuir o Rito que os outros praticam, outros desmerecem a instituição X ou Y, e outros, ainda, tentam parasitar o trabalho alheio enquanto louvam a si próprios. E, dessa forma, o espírito de seita, a “torcida organizada do avental” vai se formando, sempre em nome de uma grande e valiosa “fraternidade” e da “moral e bons costumes”.
               Cada um é livre para aderir ao que quiser, ao Rito que quiser, à instituição que quiser sem ter que, para isso, xingar os outros ritos, as outras instituições, ofender pessoas, acusá-las de crimes ou se tornar uma besta selvagem a guinchar e dar coices e patadas.
               Sem aprender a lição mínima de educação e civilidade, ainda que se tenham colados todos os Graus Maçônicos possíveis e imagináveis, o indivíduo não passa de um selvagem, um imbecil grosseiro e pretensioso a exibir títulos vazios, medalhas e aventais que, em sua fantasia, ele acredita serem substitutos suficientes para os valores reais que lhe faltam.
               Incrível como o “óbvio ululante”, nas palavras caras a Nelson Rodrigues, é tão difícil de enxergar.

               Pensemos por algum tempo nisso.