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quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Espírito de torcida ou de seita: O que isso tem a ver com Maçonaria

André Otávio Assis Muniz

               A vida é repleta de ironias. É realmente incrível como a maioria das pessoas não consegue enxergá-las. O presente texto não é sobre a ironia em si, mas sobre algumas ironias que parecem passar despercebidas para alguns maçons.
               Convido o leitor a me acompanhar em alguns raciocínios simples que culminarão na tese central que sustento nesse ensaio. Iniciemos pois.

1 – O Espírito de torcida ou de seita

               Qualquer pessoa civilizada, ao se deparar com as cenas grotescas de agressão entre torcidas organizadas de futebol, sente uma repulsa natural, um misto de estupefação com revolta diante de tamanha ignorância e incivilidade. O que essas pessoas estão defendendo? Um clube que nem as conhece? Uma cor de camiseta? Um desenho com o brasão do clube desportivo? Essencialmente, o que muda de um clube para o outro? Não são todos praticantes do mesmo esporte? Não têm essas pessoas muito mais em comum umas com as outras do que diferenças?
               Da mesma maneira, agressões verbais, xingamentos, ataques pessoais, sejam físicos ou psicológicos, motivados por motivos religiosos e ideológicos, são a antítese da tolerância e da convivência entre povos civilizados. Nenhuma pessoa madura, com alguma educação e reflexão, se tornará inimiga de outra pelo fato de ser judia, cristã, muçulmana, ateia, budista, hindu, sikh, ou seja lá de que religião for. Aliás, em geral, o contato com pessoas de religiões e culturas diferentes é uma excelente oportunidade para aprender. Quantas e quantas vezes ouvimos críticas ao fanatismo de algum religioso que ataca outras pessoas por desposarem ideologias diversas da sua? Quantas violências vemos perpetradas por diferenças entre religiões e culturas? Não é isso chocante para nós? Sem dúvida que sim.

2 - O Espírito Maçônico

               A Maçonaria sempre desposou uma visão tolerante e universalista. Sempre advogou a liberdade de consciência e de expressão, sempre esteve contra as imposições, contra as ditaduras ou os amordaçamentos ideológicos. Esse espírito descrito acima, de torcida, de seita, de facções galerianas amotinadas, é o oposto do tipo de civilização defendido pela Maçonaria.
               Seguindo um tipo de ideologia inspirada na tolerância dos filósofos e sábios do Mundo Antigo, que viam as diversas ideologias religiosas e políticas como uma expressão parcial da Verdade e sustentavam que a Verdade Metafísica estava para além das formas e particularidades culturais ou temporais, os maçons foram acusados por grupos intolerantes de “relativistas”, de “tramar contra a Igreja”, de “conspiradores, “satânicos”, “liberais” entre outras coisas.

3 – Começam as ironias

               No Brasil, por exemplo, no início da implantação das Igrejas Evangélicas, a Maçonaria foi a principal defensora da liberdade de culto. Alguns dos primeiros cultos evangélicos no Brasil, pasme o leitor, ocorreram dentro de templos maçônicos e eram os maçons que protegiam pastores, depósitos de Bíblias da tradução de João Ferreira de Almeida (tradução evangélica condenada por Roma) e a paz dos evangélicos que iam congregar, contra a fúria de alguns párocos católicos romanos e irmandades que queriam, a todo custo, impedir a implantação dessas igrejas em território nacional. Hoje, por conta de uma dessas “ironias do destino”, há uma imensa quantidade de igrejas evangélicas a acusar os maçons de “satanistas”, “idólatras”, “filhos das trevas” etc. A principal das acusações também tem lá o seu “quê” de irônico. Dizem essas igrejas que nada que seja “da Luz” precisa ser secreto. Que só as obras “das Trevas” necessitam ser feitas a portas fechadas. Ignoram esses sectários que o cristianismo, até o ano de 313, era clandestino e só celebrado secretamente. As igrejas se reuniam em catacumbas (e nem por isso “adoravam os mortos” ou os “espíritos das trevas”), os cristãos não se declaravam publicamente como cristãos e os seus locais de culto eram conhecidos apenas pelos membros da comunidade. Graças a isso, fizeram diversas acusações a eles. Dentre elas, que praticavam “antropofagia”, que sacrificavam crianças, que bebiam sangue, que adoravam um morto-vivo judeu. Quanta coincidência não?

4 - Ironias intra-muros

               Apesar de haver, por assim dizer, um conteúdo e um simbolismo base geral, já há muito tempo atrás, a Maçonaria começou a ser praticada seguindo padrões e formas diferentes. Cada região, mais ou menos extensa, acabava por ter o seu próprio padrão e suas particularidades, influenciados por pensadores, intérpretes, místicos etc.
               Como é óbvio supor, padrões, costumes, formas e usos acabaram por se condensar em sistemas maçônicos chamados de “Ritos”. Cada Rito dá enfoque em um determinado conjunto de ensinamentos maçônicos e esses ensinamentos, por sua vez, são expressos em seus costumes e símbolos. Por uma necessidade organizacional, esses Ritos passaram a se tornar progressivamente institucionalizados e, para tanto, começaram a surgir patentes, autorizações, regulamentações etc., para a preservação das tradições recebidas. Aí começa o enguiço. Aquilo que, fundamentalmente, servia para unir os Irmãos em torno de um ideal comum, se torna uma causa de raivosas dissensões.
               Já em pleno século XVIII, Fichte escreveu:

               “Por outro lado, a sociedade (Maçonaria) se divide internamente e cessando toda                unidade, os Irmãos separam-se em seitas, que chamam sistemas; acusam-se uns aos outros de heresia, excomungam-se e repetem o jogo de uma igreja que pretende só ela tornar felizes os homens. O venerável Servati pergunta: “E se eu quisesse tornar-me maçom, onde estão os verdadeiros mestres?”. E em seu volumoso livro não sabe dar a resposta. Entrementes, os maçons de todas as cores e distintivos respondem uníssonos: “Em nenhuma, em nenhuma outra parte a não ser conosco.
            Ora, qual é a consequência? O profano, que antes tinha respeito ao menos pelo nome de          IRMÃO, acha agora ridículos os maçons que se perseguem mutuamente e se acusam de                heresia. E recai sobre a Maçonaria algo muito pior que todas as perseguições: o frio                desprezo e a derrisão da gente culta.” (Philosophie der Maurerei, Briefe an Konstant –                Filosofia da Maçonaria, Cartas a Konstant. Tradução de João Nery Guimarães)

               Esses dias atrás, depois de um evento maçônico, comecei a receber prints de uma outra instituição que nos chamava de “mentirosos”, “escroques”, “bandidos”, “falsificadores”, “perjuros”, “estelionatários” e comparava nosso grupo a uma “boneca inflável”. Outra publicação, desse mesmo grupo, nos comparava com uma nota de dinheiro falsa. Isso foi escrito por alguém que se denomina “Irmão” e que, em sua instituição, pratica algo muito semelhante ao que praticamos na nossa. Foi publicado em uma página de instituição que se diz maçônica, em plena internet, aberto, para todo mundo ver. E todo mundo viu, comentou e “printou”. Isso, fora da Maçonaria, é pura e simplesmente, crime de calúnia (imputar a alguém prática tida como crime, ou seja “falsificadores” e “estelionatários”) e de difamação (tornar conhecida uma injúria, algo que afete a honra e a moral subjetiva de alguém, no caso “escroques”, “bandidos” e “perjuros”), e se resolve com denúncia, processo criminal e civil (por dano moral e material).
               Pensando agora, por outro ângulo, a questão seria até relativamente simples se fosse resumida a uma questão legal. No entanto, essas manifestações demonstram um discurso de ódio, um espírito de seita, de torcida, de facção que adere a um líder ou a um discurso e se torna cega para qualquer argumento em contrário. É uma ironia que isso seja praticado dentro de uma instituição que prega tolerância, respeito e liberdade de consciência, não é? O que essas pessoas, que praticam esse tipo de ação, aprenderam com tantos Graus Maçônicos? A ser mais incivilizadas, grosseiras e descorteses? A se inflar com pretensão de serem melhores que as outras por estarem na instituição X, Y ou Z? O que estão defendendo? Seu “clube”?  A cor do seu avental?
               A grosseria de alguns “Irmãos” para com seus semelhantes é chocante. Revestidos com seus paramentos de “autoridade” se tornam detestavelmente arrogantes, pretensiosos de um grande “poder” que só existe em sua imaginação.
               Em um lugar me disseram que se eu não preenchesse tal ficha eu não “existia” para uma determinada Ordem Inglesa. E isso em um tom incrivelmente arrogante. Sério mesmo? Eu sou reduzido a esse papelzinho aí? É essa a “moral”? Reduzir pessoas e suas particularidades a um bolo de fichas? Não preenchi e não preencherei. Prefiro não existir para quem pensa dessa forma.
               Uns tentam diminuir o Rito que os outros praticam, outros desmerecem a instituição X ou Y, e outros, ainda, tentam parasitar o trabalho alheio enquanto louvam a si próprios. E, dessa forma, o espírito de seita, a “torcida organizada do avental” vai se formando, sempre em nome de uma grande e valiosa “fraternidade” e da “moral e bons costumes”.
               Cada um é livre para aderir ao que quiser, ao Rito que quiser, à instituição que quiser sem ter que, para isso, xingar os outros ritos, as outras instituições, ofender pessoas, acusá-las de crimes ou se tornar uma besta selvagem a guinchar e dar coices e patadas.
               Sem aprender a lição mínima de educação e civilidade, ainda que se tenham colados todos os Graus Maçônicos possíveis e imagináveis, o indivíduo não passa de um selvagem, um imbecil grosseiro e pretensioso a exibir títulos vazios, medalhas e aventais que, em sua fantasia, ele acredita serem substitutos suficientes para os valores reais que lhe faltam.
               Incrível como o “óbvio ululante”, nas palavras caras a Nelson Rodrigues, é tão difícil de enxergar.

               Pensemos por algum tempo nisso.

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