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terça-feira, 30 de maio de 2017

A Águia

 Julius Evola

Tradução e adaptação do Italiano : Marcelo D. Prati

O simbolismo da águia possui um caráter “tradicional” em sentido superior. Ditado por precisas razões analógicas, está entre aqueles que testemunhamos uma “invariavel”, ou seja, um elemento constante e imutável, dentro dos mitos e dos símbolos de todas as civilizações do tipo tradicional. As particulares formulações que recebe esse tema constante são, contudo, naturalmente diversas dependendo das raças analisadas. Aqui dizemos imediatamente que o simbolismo da águia na tradição dos povos ários teve um caráter distintamente “olímpico” e heroico, algo que nos propomos a esclarecer no presente escrito com um grupo de referimentos e de aproximações.
Sobre o caráter “olímpico” do simbolismo da águia, esse resulta já diretamente do fato que, tal animal, foi sacro ao Deus olímpico por excelência, a Zeus, o qual por sua vez, não é nada além da singular figuração ário-helênica (e depois, como Júpiter, ário-romana) da divindade da luz e da realeza venerada por todos os ramos da família ária. Em volta de Zeus foi conectado outro símbolo, aquele do relâmpago, algo que é bem lembrado, porque veremos que por tal caminho, isso acaba por completar, não raro, o mesmo simbolismo da águia. Recordemos também de um outro ponto: segundo a antiga visão ária de mundo, o elemento “olímpico” se define sobretudo em sua antítese, comparando ao titânico, telúrico e também prometeico. Ora, é precisamente com o relâmpago que Zeus abate, no mito, os titãs. Nos Ários, que viviam cada batalha como se fosse uma espécie de reflexo da luta metafísica entre as forças olímpicas e as forças titânicas, esses mesmos considerando-se como uma das primeiras milícias, veremos, além disso, águias e relâmpagos como símbolos e insígnias que encerram desse modo, um significado profundo e geralmente negligenciado.
De acordo com a antiga visão ária da vida, a imortalidade é um privilégio: não significa a simples sobrevivência à morte, mas a participação heroica e real ao estado de consciência que define a divindade olímpica. Fixemos algumas correspondências. O ponto de vista agora assinalado sobre a imortalidade é também o mesmíssimo da antiga tradição egípcia. Apenas a uma parcela do ser humano é destinada a uma existência eterna celeste no estado de glória – o assim chamado Ba. Ora, essa parte, nos hieróglifos egípcios é representada como uma águia ou um falcão (dadas as condições do ambiente, o gavião é o substituto da água, o apoio mais próximo oferecido pelo mundo físico para exprimir a mesma ideia). É sob a forma do falcão que, nos rituais contidos no Livro dos Mortos[1] a alma transfigurada do morto inspira medo aos próprios deuses e pode pronunciar tais palavras soberbas: “Eu me ergui à semelhança de um falcão ou de uma águia divina e Hórus me fez partilhar da semelhança de seu espírito, para tomar posse daquilo que no outro mundo corresponde a Osíris”. Tal herança supraterrena corresponde exatamente ao elemento olímpico. De fato, no mito egípcio, Osíris é uma figura divina que corresponde ao estado primordial “solar” do espírito, o qual, depois de ter repentinamente se alterado e corrompido (morte e dilaceração de Osíris), é restaurado por Hórus. O morto obtém a divinização imortalizadora, partilhando da força restauradora de Hórus, que o reconduz a Osíris, que provoca o “ressurgir” ou o “recompor-se” de Osíris.
Nesse ponto é fácil constatar correspondências múltiplas de tradições e símbolos. No mito helênico, se compreende, da mesma maneira, que por “águias”, seres como Ganímedes, foram abduzidos até o trono de Zeus. Por meio de águias, na antiga tradição persa, o rei Kei-Klaus tentou prometeicamente alçar-se ao céu. Na tradição hindu-ária, é a águia que carrega a Indra a bebida mística que o constituirá senhor dos deuses. A tradição clássica aqui alcança uma sugestão particular: por essa, todavia inexatamente, à águia era creditado o valor de ser o único animal que podia olhar para o sol sem abaixar os olhos[2].
Isso então esclarece a parte que cabe à águia em algumas redações da lenda prometeica. Prometeu se mostra não como alguém que seja verdadeiramente qualificado para propriamente criar o fogo olímpico, mas como alguém que, dotado de natureza “titânica”, deseja roubá-lo e fazer dele coisa não mais “divina”, mas humana. Como pena, nos relatos da lenda da qual falamos, Prometeu acorrentado tem seu fígado continuamente devorado por uma águia. A água, animal sacro do Deus olímpico, associado ao exato relâmpago que abate os titãs, nos aparece aqui como uma figuração equivalente ao mesmo fogo que Prometeu desejava tomar posse. Se trata então de um tipo de castigo imanente. Prometeu não possui a natureza da águia, que pode tomar impunemente e “olimpicamente” a luz suprema. A mesma força que deseja tomar para si, torna-se o princípio de seu tormento e de seu castigo. E aqui se aqui se abriria uma via para compreender a tragédia interior de vários expoentes modernos da doutrina de um super-homem titânico, possessos e vitimados pela sua própria ideia, começando por Nietzsche e Dostoievski, com particular atenção, também, aos heróis característicos dos romances deste último.
Voltando ao mundo do mito ário, encontramos na antiga tradição hindu uma variante daquele mito prometeico. Agni, sob a forma de uma água ou falcão, arranca um ramo da árvore cósmica, repetindo o gesto que no mito semita Adão realiza para “tornar-se semelhante aos deuses”. Agni, que por sua vez é uma personificação do fogo, é golpeado. De suas plumas caídas ao solo surge, contudo, a semente de uma planta que produzirá o “soma terrestre”. Mas o soma é um equivalente da ambrosia, é a substância simbólica que diviniza, que propicia a participação do estado “olímpico”. A estrutura do mito ário, embora de forma mais involuta, repete aquela que já analisamos no mito egípcio (ofuscamento de Osíris, ressurreição por intermédio de Hórus). Se pode falar de uma tentativa prometeica falha num primeiro momento, depois “retificada” e feita semente de uma correta realização da mesma finalidade.
Na tradição irano-ária a águia figura frequentemente como uma encarnação da “glória” do hvarenó que, como em outra ocasião pudemos lembrar, para tal raça isso não vale como uma abstração, mas sim como uma força mística e um poder real do alto, que desce sobre os soberanos e sobre os líderes, os faz partilhar da natureza imortal e os concede a vitória. Tal “glória” ária, personificada pela águia, não tolera lesões da ética viril, característica da tradição mazdeísta. Assim o mito se refere que sob a forma da águia, essa se separa do rei Yima quando esse se contaminou com uma mentira.
Baseado em tais correspondências de significado e símbolos, a participação que na Roma antiga tem a água resulta em uma clareza singular. O rito da apoteose imperial romana é um testemunho primordial e uma confirmação precisa da aderência da romanidade ao ideal olímpico. Em tal rito, um exato voo de uma águia da pira funerária simbolizada de fato o traspasso ao estado de “deus” da alma do imperador morto. Lembramos os particulares de tal rito, que foi repetido a exemplo do originário celebrado na morte de Augusto.
O corpo do imperador morto era fechado num caixão coberto de púrpura, carregado em um leito de ouro e marfim. Vinha deposto em uma pira feita no Campo de Marte e cercada de sacerdotes. Se desenrolava então o chamado decursio, do qual logo falaremos. Posto fogo na pira, uma água era solta dentre as chamas e se pensava que naquele instante a alma do morte simbolicamente se alçasse rumo às regiões celestes, para ser acolhida entre os Olímpicos.
O decursio, agora citado, era o curso das tropas, dos cavaleiros e dos líderes em torno da pira do imperador, sobre a qual esses depositavam recompensas recebidas por seu valor. Também em tal rito se encerra um significado profundo. Era a crença ária e romana, que nos líderes estivesse a verdadeira força decisiva para a vitória; ou seja, não tanto nos líderes como pessoas, quanto no elemento sobrenatural “olímpico” a esses atribuído. Por isso, a cerimônia romana do triunfo, o duque vencedor assumia o símbolo de deus olímpico, de Júpiter, e no templo de tal deus ia entregar os louros da vitória, bem distinto de sua parte simplesmente humana. No decursio se demonstrava uma “remissão” análoga: os soldados e líderes restituíam as recompensas que lembravam sua coragem e sua força vencedora ao imperador, como alguém que, em sua potencialidade “olímpica”, agora ao ponto de liberar-se e de transumanar-se, se encontrava no estado da verdadeira origem.
Isso nos conduz a examinar o segundo testemunho do espírito “olímpico” da romanidade, semelhantemente marcado pelo simbolismo ário da águia. Era tradição clássica que aquele sobre o qual pairasse a águia, fosse predestinado por Zeus a destinos superiores ou a realeza, desejando com isso indicar o pressuposto “olímpico” da legitimidade de um ou de outros. Mas era semelhantemente tradição clássica e depois especificamente romana, que a águia fosse signo de vitória, com o qual, semelhantemente, ressaltam os pressupostos “olímpicos” da mesma concepção da batalha e da vitória, ou seja, a ideia de que através da vitória do povo ário e romano, fossem as precisas forças da divindade olímpica, do deus da luz, a vencer; a vitória dos homens, reflexo daquela mesma de Zeus sobre forças antiolímpicas e “bárbaras”, era preanunciada pela aparição do exato animal de Zeus, a águia.
Essa é a base para compreender adequadamente, em relação a significados profundos vindos das origens tradicionais e sacrais, e não de alegorias vazias, a parte que a águia possuía entre as insígnias dos exércitos romanos, entre signa e vexilla, desde suas origens. Desde o período republicano, a águia foi em Roma a insígnia das legiões – se dizia: “uma águia por legião e nenhuma legião sem águia”. Especificamente, a insígnia era constituída da águia com as asas desdobradas e, além disso, com um raio entre as garras. Vem assim rigorosamente confirmado o simbolismo “olímpico” já mencionado: junto do animal sacro de Giove está exatamente o signo de sua força, aquele relâmpago com o qual ele combate e extermina os titãs.
Detalhe digno de destaque, as insígnias das tropas bárbaras não possuíam águias: nos signa auxiliarium, encontramos, em vez de animais sacros ou “totêmicos”, se encontravam outras influências, como o touro ou o aríete. Apenas num período posterior tais signos se infiltraram na própria romanidade associando-se à águia e dando lugar, frequentemente, a um simbolismo duplo: o segundo animal junto da águia nas insígnias de uma dada legião estava agora em relação com uma das características dessa, enquanto a águia representaria o símbolo geral de Roma. No período imperial, por outro lado, a águia, de insígnia militar passa a ser frequentemente um símbolo para o próprio Imperium.
Sabemos a parte que, na história subsequente, o símbolo da águia teve nos povos nórdicos e germânicos. Tal símbolo parece quase ter abandonado o solo romano e transmigrado para entre as raças germânicas, a tal ponto de muitos pensarem se tratar de um símbolo essencialmente nórdico. O que não é exato. Torna-se esquecida a origem da águia, que figura ainda hoje como emblema da Alemanha, da mesma maneira que essa foi também emblema do Império austríaco, o último herdeiro do Sacro Romano Império. Tal águia germânica é simplesmente a águia romana. Foi Carlos Magno, nos 800, que ao ponto de declarar a renovatio romani imperii retomou o símbolo fundamental, a águia e a fez o emblema de seu Estado. Historicamente, é portanto, nenhum outro além da águia romana aquela que se conservou até hoje como símbolo do Reich. Isso não impede, contudo que, partindo de uma perspectiva mais profunda e supra-histórica, sobre isso se possa pensar algo além de uma simples importação. A águia, de fato, na mitologia nórdica figurava já como um dos animais sacros a Odin-Wotan e como tal animal foi acrescentado nas insígnias romanas das legiões, assim ela também aparece nos cemitérios dos antigos líderes germânicos. Se pode, portanto, conceber que enquanto Carlos Magno, ao assumir a águia como símbolo do império ressurreto tinha essencialmente em vista a Roma antiga, ele simultaneamente, sem render-se conta, retomava um antigo símbolo da antiga tradição ária-nórdica, conservada apenas de forma fragmentar e crepuscular entre os vários cepos do período das invasões. De qualquer modo, na história subsequente, a águia termina por possuir um valor simplesmente heráldico e seu significado simbólico e moral mais profundo e originário foi esquecido. Como muitos outros, torna-se um símbolo que sobreviveu por si próprio e que assim foi ainda suscetível a servir de base a ideias mais diversas. Seria portanto absurdo supor a presença, quer seja talvez “sonambúlica”, de concepção, como aquelas aqui relembradas, onde hoje são vistas águias em signos e emblemas europeus. As coisas poderiam estar diferentemente para nós, herdeiros da antiga romanidade, e em seguida pelo povo que hoje está ao nosso flanco, herdeiro do império romano-germânico. O conhecimento do significado originário do simbolismo ário da Águia, emblema ressurreto de ambos nossos povos, poderia assinalar ainda o significado mais alto da nossa luta e conectar-se com o empenho para que nesta se repita, em uma certa medida, o mesmo caso, no qual os antigos povos ários, sob o signo olímpico e evocando a mesma força olímpica exterminadora de entidades obscuras e titânicas, poderia sentir-se como milícia de influência do alto e afirmar um direito superior e uma função superiora de domínio e ordem.
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[1] LXXVIII, 1-4, 46 da edição Wallis-Budge.
[2] Cfr. p. es. LUCIANO, Icarom., XIV

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