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sexta-feira, 14 de abril de 2017

O Feixe (fascio)

Julius Evola
Tradução e adaptação do italiano para o português: Marcelo D. Prati



“O poder do símbolo é maior do que o poder dos homens.” – foi dito por Olimpiodoro[1].
E Bachofen: “O símbolo desperta um portento, enquanto a língua pode apenas explicar. O símbolo faz vibrar as cordas do espírito todas juntas, enquanto a mente é submetida a manter um único pensamento de cada vez. O símbolo empurra suas raízes até a mais secreta profundidade da alma, enquanto a língua apenas acaricia, como um leve sopro de vento, a superfície do intelecto: o primeiro é direcionado ao interior, esse último ao exterior. Apenas o símbolo é capaz de ajuntar na síntese de uma impressão unitária, os elementos mais diversos. As palavras fazem finito o infinito, os símbolos, ao contrário, conduzem o espírito para além das fronteiras do mundo finito e condicionado, para o mundo infinito e real.”[2]
As correntes mais recentes e vivas da filosofia da cultura são caracterizadas precisamente por um interesse crescente pelo mundo do símbolo e do mito, concebidos não como poética e invenções arbitrárias, mas como dramatizações que encerram significados profundos dos tempos mais distantes.
E a tal interesse se associa congenialmente, um olhar voltado para o passado, para as “origens”, onde, no lugar da humanidade animalesca suposta pelo darwinismo e pelo evolucionismo, os novos pesquisadores parecem, em vez disso, figurar os traços de uma espiritualidade primordial insuspeitada.
Nas presentes notas, desejamos delinear o sentido mais profundo que houver para o simbolismo do Fascio tal como resulta desse tipo de pesquisa, ainda não tanto observada entre nós.
Como ponto de partida, se pode tomar os resultados de uma investigação gigantesca sobre a pré-história devida ao holandês Herman Wirth,[3] mas que foi traçada apenas pelo seu lado antropológico. Wirth se crê suficientemente seguro para admitir a existência de uma civilização cósmico-simbólica unitária, datada do megalítico, ou talvez ainda mais além; e também a existência de uma raça originária, portadora de tal cultura, que em imensas ondas parece ter chegado primeiro no norte e rumado ao sul, depois do ocidente ao oriente, dando lugar às civilizações seguintes similares, originariamente orientadas pelo mesmo espírito, marcadas pelos mesmos símbolos e cultos. Sobre esta tese corajosa, que não é de um “teósofo” ou de um amador, mas de um técnico, e que uma sociedade especializada é dada a inspecionar e verificar, nós aqui não nos demoraremos. O que nos serve é delinear o tema unitário que – para Wirth – parece ter estado no coração de tal civilização primordial, e que na realidade pode servir de ponto de referência também independentemente da hipótese acima traçada, ser acatada de maneira integral e literal.
Se trata do caso do sol no ano, tomado num significado real e simbólico ao mesmo tempo. O sol: princípio manifesto que como calor e como luz desperta a vida. Se diz “semente de vida”, “vida”, “luz das terras” (o landa ljóme rúnico), nas mais ancestrais ideografias o seu signo exprime igualmente o “homem”. E como no seu curso anual o sol morre e renasce, há inverno e primavera, assim também o homem possui o seu ano, morre e ressurge. O ano solar, o “deus-ano” como expressão de uma lei universal de renovo e renascimento – isso teria sido o centro de uma experiência espiritual primordial, cujos ecos, no entanto, se encontram um pouco em toda parte e que, além disso, não de agora têm estado inseridos no escopo da ciência comparada das religiões, também em atitudes e hipóteses muito diversas daquela de Wirth.
No mito solar um ponto há, contudo, sempre necessidade de uma importância especial, desde a mais alta pré-história, desde a mesma “civilização dos dolmens”: o ponto no qual a luz solar parece tramontar e limitar-se, abandonar a terra desolada onde depois, novamente, resplandece: é o solstício de inverno. Aqui aparece um símbolo fundamental: o machado. Aqui o “deus-ano” possui o signo do “machado”, é o “deus-machado” o “deus-espículo” que rompe em dois, arco ascendente e arco descendente, o signo do ano, muito frequentemente representado por um círculo. Aqui, portanto, a divisão simbólico-calendária se completa, se inicia o novo ciclo – o novo ano, a nova vida – a “luz” “nasce” ou “renasce”. Inicia-se uma nova “série sacra”.
Wirth chama “série sacra” uma série de doze signos fundamentais, os quais devem corresponder com todas as fases do sol no ano – “momentos” ou aspectos do deus – determinados pela relação com os doze símbolos do zodíaco. Wirth crê ser possível reconhecer uniformemente nos vários traços das civilizações do cepo nórdico-atlântico, no ocidente e no oriente, similares “séries sacras” que, contudo, teriam agrupado significados e valores múltiplos: o signo da “série sacra” se valeria simultaneamente seja como signo-base para um alfabeto pré-histórico (traços no linearismo pré-hieroglífico egípcio, amorítico, chinês, etc.), seja como correspondência gráfica de certas vozes, raízes de uma linguagem antiquíssima não inteiramente apagada nos idiomas mais recentes. Onde ao solstício de inverno o sol ressurge e se põe o signo inicial do novo ciclo, “a boca se abre” e “nasce a língua”. Em realidade, na antiga escritura egípcia e suméria o hieróglifo do sol que surge possui também o valor da “boca que se abre”, “língua”, “palavra”. Mas “falar”, naquelas tradições, possui também ao seu redor o valor de “criar” – a “palavra” do “deus” – de – é criadora.
Resumindo, e portando ao universal aquilo que está contido potencialmente nas ocorrências de uma tal simbologia, nós possuímos portanto, um significado de “criação” que simultaneamente é “nascimento solar”, “luz”, significado conexo ao número doze das “séries sacras”, que exprimem o completo desenvolvimento do novo princípio. Temos ainda o aspecto “machado” do deus simbólico no solstício de inverno, que, referente às duas partes ou arcos por ele cortados – um de tenebroso “inverno”, outro de renascimento solar – aparece frequentemente nos mais antigos traços sob a forma de duplo machado ou machado bicúspide, bipene ou labrys. A tal signo solar se conecta também um significado heroico e guerreiro: com trovão e machado bicúspide o deus Merodak combate o monstro do caos Tiamat; duplo machado ou duplo martelo temos os paleogermânicos Thor e Tarann, que são simultaneamente divindades relampejantes das batalhas; o machado bicúspide é a presa despedaçada pelo herói Hércules na sua luta simbólica contra as Amazonas e dessa Zeus Cario traz seu nome, Zeus Labrandeus; e assim segue. No geral, está ligado a tal signo um significado que se encontra em todos aqueles mitos ou lendas onde heróis solares lutam contra monstros ou dragões, os quais personificando as forças obscuras e selvagens do caos, ou seja, contra aquele mesmo elemento de trevas do qual – no mais abrangente mito encarnado da mesma natureza – o sol, realçando-se ressurge vitorioso: natalis solis invicti.
Quanto ao número doze, dado sua correspondência urano-solar, vemos que ele recorre em qualquer lugar onde se constitua um centro o qual, de um modo ou de outro, tenha encarnado ou buscado encarnar aquela tradição que, num sentido analógico e eminente, possamos exatamente chamar de “solar”, ou em qualquer lugar que o mito, ou lenda tenham dado em figuração ou personificação simbólica o tipo de tal regência. Para exemplo, aqui não saberíamos nem por onde começar. Aos doze Aditya solares, fazem referência na nas tradições hindus, as doze partes das Leis de Manu. Doze são os grandes Namshan do “conselho circular” segundo a tradição tibetana e doze seriam, segundo a chinesa, os discípulos de Lao-Tsé. Não outro é o número de portas da “Jerusalém celestial” na tradição hebraica e o mesmo se dá com os discípulos do Cristo. Doze estágios completa o herói caldeu Gilgamesh ao longo da “via solar” para alcançar a terra “para além das águas da morte” e doze “trabalhos” completa Hércules. Doze eram as grandes divindades olímpicas e doze os principais cavaleiros da “Távola Redonda” do Rei Artur e da lenda do Graal, assim como os Condes paladinos de Carlos Magno. E muitas outras correspondências poderiam ser facilmente encontradas. Ver em tudo isso um simples “acaso” parece muito fácil. À nossa percepção é muito mais sábio pressentir aqui traços mais ou menos conscientes de um único tema, de um único significado, de uma única tradição, histórica ou supra-histórica que tenha emergido aqui e ali, através do subterrâneo, tanto sobre o plano do mito quanto sobre aquele da realidade[4].
Agora, traços do gênero estiveram presentes também na mais antiga romanidade e, para dizer a verdade, de moto característico, desde suas origens. Não se encerra talvez um oculto significado no fato de que, segundo a tradição, Rômulo, por ter visto doze abutres, teve o direito de dar seu nome à cidade eterna? E que doze seria o número das ancilia estabelecido por Numa como signo, recebido do “céu”, da proteção divina?[5] Doze, de todo modo, foram em Roma os altares do deus Giano, o qual não é mais que uma figuração do “deus ano”, o deus dos começos não livre de relações com o mesmo “demone” da guerra – ou seja, com a potência sobrepujante do elemento heroico: que era o libertar de um demone que ansiava significar, tal como se refere Virgilio, ao fato de que apenas em tempo de guerra o templo de tal deus era deixado aberto. Doze – como aquelas gregas – são, além de tudo, as máximas divindades romanas segundo Varrone; doze é o número de sacerdotes de vários colégios romanos entre os mais antigos – por exemplo, os Arvali e os Sali – doze é o número dos lictores instituídos por Rômulo – como doze, enfim, são as varas do mesmo Fascio romano, segundo aparentam os fasci capitolinos que ainda existem. Assim atingimos nosso ponto central – temos todos os elementos ocorrentes para compreender desde o mais íntimo aquilo de mais profundo pode ser encapsulado neste símbolo maximamente significativo para a romanidade. O fascio romano se compunha de dois elementos: daquelas exatas doze varas – e de um machado, que às vezes é um machado bicúspide, exatamente como o machado pré-histórico que se encontra nos traços neolíticos e talvez ainda paleolíticos; nos quais se acompanhava com o signo do renascimento, o “homem com os braços erguidos.”
Consideraríamos aqui também o “acaso”? É seguro que ao pensar sobre isso, possam ser conduzidos aqueles que – enquanto admirando-a – não vejam na romanidade mais que uma grandeza puramente temporal, tendo como superstição “superada” tudo aquilo que como rito e como símbolo foi inseparável, em Roma, de toda instituição e toda manifestação da vida, seja individual ou coletiva; rindo daquilo que ao romano vale como último, como mais firme segurança, ou seja, aquela que vem dos “deuses” – se entenda: o elemento “divino” – foi feita a potência e a aeternitas romana como ao limite da pax augusta et profunda firmando-se imperialmente como o limite do mundo conhecido. De nossa parte, não saberíamos, contudo, compartilhar de tal postura. Para nós, Roma, mais do que uma grandeza material, politico-jurídica e militar, foi uma grandeza espiritual, ainda que essa não sinta a necessidade de demorar-se em abstrações filosóficas e de devotar-se a uma insalubre e evasiva e agrilhoante religiosidade do tipo asiático-semítico. Não seríamos capazes de “crer” que a romanidade – assim escrupulosa na exata determinação sacra e de detalhes quase insignificantes – tenha mais tarde decidido ao “acaso” a escolha e a determinação de um símbolo assim central de sua civilização, como o Fascio litório. E caso se considere por outro lado, em que medida continua na magistratura romana um caráter sacro, ainda se pode considerar que nos mesmos fasci dos litórios pode estar incluso um significado superior; que na realidade aqui se tratam dos traços de uma sabedoria antiga e solar, do signo ritual de um destino e de uma grandeza.
Ao redor do machado, símbolo heroico e sacro que “separa”, que fecha uma época e abre “triunfalmente” um novo ciclo,[6] uma nova criação, como luz de um novo “ano” ou saeculum, estando agrupados os signos de uma totalidade, de um desenvolvimento perfeito em sentido “solar”: os doze[7]. Agora, na história do mundo, poucas realidades aparentam ser mais aderentes do que a romana a um tal símbolo, mais fieis – a uma aeternitas cesárea e a uma universalidade solar – a essa promessa ritual. E Roma é, de tal forma, passada da história para a supra-história, tanto que faz predizer até mesmo os escritores da nova religião semítica que “enquanto Roma permanecer íntegra, as assustadoras convulsões da idade última não serão temíveis – mas o dia em que venha a cair, a humanidade estará próxima de sua agonia”[8] – assim, a partir de uma transfiguração permanece presente seu símbolo, o Fascio.
Do símbolo, uma multiplicidade de aspectos que não se contradizem, mas se hierarquizam, é a característica fundamental. De um símbolo se pode evocar o corpo. Mas dele não se pode evocar a alma, aquela parte que, - segundo as palavras de Bachofen citadas no início – conduzem o espírito para além do condicionado e contingente. O que também vale para o Fascio. Isso pode valer como signo num nível político – mais profundamente, isso pode valer como signo para um nível étnico; enfim, isso pode possuir valor num lugar de espiritualidade pura, daquela espiritualidade que é, ao mesmo tempo, potência.
Que a raça, que hoje tem celebrado os signos e o nome da romanidade precisamente como base para a vontade de um “renascer” nacional – podendo sustentar ali também a alma, a adequar-se como potência aos significados de ressurreição “triunfal” e de consumação “solar” tacitamente encerrados no signo arcaico do machado e dos doze: nenhuma outra pode ser a esperança daqueles que ainda “creem” e que resistem contra as grandes sombras da decadência espiritual que pairam sobre o ocidente moderno.




[1] OLIMPIODORO, Ms. Bibl. Royal P., Praxis mz., f. 72.
[2] J. J. BACHOFEN, Urreligion und antike Symbole, Leipzig, 1928, v. 1, pp. 283-284.
[3] H. WIRTH, Der Aufgang der Menschheit – Unterschungen zur Geschichte der Religion, Symbolik und Schift der atlantich-nordischen Rasse, Jena, 1928.
[4] Sobre tal tema, vale assinalar a obra grandemente notável de R. GUENON, Le Roi du Monde, Paris, 1928.
[5] Vale a pena mencionar sobre a tradição romana da ancila, o escudo recebido do céu como pignus imperii (OVIDIO, Fast., III, pp. 259-398). Teriam sido obtidos por Numa para assegurar a perenidade de Roma e, além disso, equivale a um símbolo pélvico contentor da ambrosia, ou seja, um alimento perene imortalizador (crf. F. DUMEZIL, Le festin d’Immortalité, Paris, 1924, pp. 127-151). Agora, o colégio dos Salis, instituído por Numa para a guarda dos pignus imperii, composto de doze membros, junto a tal escudo, possuía outro símbolo: a hasta, ou lança. Assim, na romanidade vemos já, exatissimamente, os mesmos símbolos que surgem no mito mais característico de outro grande período imperial europeu, aquele feudal-cavaleiresco: no mito do Graal. De fato, doze, como já dissemos, são os cavaleiros do Graal, que guardam a tempo a lança (=hasta) e o cálice, que, como a ancila, oferece um alimento místico perene e imortalizador. Observemos que, embora adaptado ao cristianismo, o mito do Graal possui origens nórdicas pré-históricas: o cálice e a lança figuravam já, juntos da negra “pedra do destino” que proclama o verdadeiro rei (e é estranho o caso de que também a romanidade tenha conhecido um lapis niger, que foi posto no início da via Sacra) para os objetos místicos levados com ele até a Irlanda da “raça divina” dos Tuatha Dé Danann (crf. C. SQUIRE, The Mythology of ancient Britain and Ireland, London 1909, p. 34).
[6] Poderemos facilmente notar como elemento “triunfal” encontrado, por outro lado, a expressão também do símbolo romano ligado ao Fascio, a Águia, animal considerado também como “solar” da antiguidade. Segundo a tradição, sob forma de “águia” teria voado da pira a alma imperial de Augusto (cfr. L. PRELLER, Römische Mythologie, Berlin, 1858, pp. 787, seg.); e tal águia corresponde efetivamente a outra que, no mito, abandonou o rei paleoirânico Yima e que significava o hvarenô. Ora, o hvarenô é a “glória” concebida pelos iranianos como um “fogo celeste” ou “solar” que consagra e faz imortais os reis, atestando-os com a vitória. (cfr. F. SPIEGEL, Eranische Alterrumskunde, Leipzig, 1871, v. II, pp. 42-43). É a tradição de uma ancestral espiritualidade do tipo heroico, que portanto, é possível de encontrar em quase todas as grandes civilizações pré-modernas sobretudo arianas (cfr. o nosso escrito sobre Il carattere sacro della regalità em La Nobilità della Stirpe, n.1 de 1932)
[7] Não é, portanto sem interesse o fato de que alguém tenha tentado encontrar o doze no ciclo imperial romano: SVETONIO, p. es., escreveu uma Vita dei dodici Cesari. Doze saecula, ou seja, uma profecia etrusca tinha marcado a vida de Roma.
[8] Cfr. LATTANZIO, Inst., VII 25, 6.

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